quarta-feira, 11 de abril de 2018

Hamilton Garcia: Por que somos assim?

- FAP

O título acima foi tirado do livro recém lançado pela editora Verbena-FAP[1], organizado por Cristovam Buarque et alii, reunindo textos de variados autores, como José de Souza Martins, Lourdes Sola, Bolívar Lamounier, Marco A. Nogueira, Alberto Aggio, entre outros. Os organizadores tinham em mente entender como nos equilibramos “em meio a uma generalizada crise, a qual estaria (…) corroendo a sociedade e suas estruturas”, não obstante questionarem a ideia de um “estado de crise”.

Não vou comentar os textos que fazem parte da coletânea nessa minha estreia aqui na blog “Opiniões”, hospedado no Folha 1 — atendendo ao generoso convite do diretor do jornal e editor do blog Aluysio Abreu Barbosa. Apenas, pretendo tecer algumas considerações em torno do tema da nossa recorrente instabilidade político-institucional, que tem a data da República (1889) e, portanto, não deveria nos causar espanto.

Não obstante isso, em qualquer época as crises chocam porque se trata de processos muitas vezes dolorosos que afetam vidas (às vezes mortalmente). No caso atual, o espanto também se deve ao processo deseducativo que teve transcurso nos meios de comunicação e na intelectualidade, do Plano Real (1994) até a eleição Presidencial de 2014, quando os grupos no poder chegaram ao ápice da manipulação das expectativas e, mais recentemente, à própria maquiagem da realidade.

Nesse período, quando ainda era comum realizar nas universidades debates entre pessoas de opiniões diferentes, me lembro que fui convidado a participar de uma mesa sobre a conjuntura político-eleitoral de 2006 e me foi pedida uma sugestão de nome para o evento. Eu, então, sugeri algo que incluía o nome Crise no tema em discussão, o que fez meu interlocutor, um equilibrado colega da Uenf, fazer uma cara de espanto e me perguntar: “mas, que crise é essa Hamilton?!”. Bem, estávamos na primeira eleição após o escândalo do Mensalão petista, mas o clima era de total otimismo com a recuperação econômica (modesta) que agora, de maneira pouco usual em nossa história, vinha acompanhada de políticas de inclusão social e combate ao desemprego.

Bem, o resto já sabemos, mas o episódio mostra nossa dificuldade cultural em problematizar nos períodos de otimismo, além da dificuldade política (universal) de relativizar os feitos de governos que apoiamos ou rejeitamos.

Seja como for, devemos buscar entender a persistência histórica das nossas crises — nosso “estado de crise” —, para além de sua dimensão cíclica, que se relaciona com as dificuldades naturais dos processos de democratização/modernização que se processam, no Ocidente, desde as revoluções burguesas do século XVII. Aliás, aqui está uma das chaves para entender porque as crises em determinados países, como o nosso, sempre nos levam ao limiar de uma refundação enquanto em outros, como na Inglaterra e EUA, são resolvidos nos marcos institucionais fundadores de suas modernidades políticas (respectivamente, séc. XVII e XVIII).

Eis nosso problema: onde se encontra o marco fundador de nossa modernidade política?

Nossa independência, provocada pela revolução liberal portuguesa, que precipitou a volta do monarca lusitano à terra natal, em 1821, abriu as portas para um reinado nacional sem rupturas radicais com o legado português, mantendo o monopólio sobre as terras (inclusive urbanas) e o trabalho escravo como pilar da economia, situação que impediu a emergência de uma sociedade isonômica por aqui. José Bonifácio bem tentou emplacar uma constituição moderna (liberal) no país, mas foi desautorizado e exilado por D. Pedro I, que impôs a constituição centralizadora/conservadora que nos regeria até o advento da República.

Na República (1889), de novo, a mudança ocorre sob o signo da continuidade, sem rupturas: os militares derrubam a Monarquia por questões corporativas, sem um programa de reformas claramente elaborado e temendo a sociedade civil constituída após o fim a escravatura. Os oponentes civis que lhes sucedem, utilizam o liberalismo para edificar um regime de oligarquias regionais que orbitam o poder central ocupado pelas parcelas mais fortes da classes terratenentes, sem cogitar de reformas econômico-sociais inclusivas e usando o Estado para seus fins privados. Assim, a modernização econômica vai se processar por via das contingências externas (1ª Guerra Mundial, 1914-18), sem reforma agrária, e a modernização política vai esperar mais uma década para, finalmente, se colocar no centro do palco através de um novo golpe militar (Revolução de 1930).

É Getúlio Vargas que, no Estado Novo (1937-45), golpe sustentado pelos militares e por um empresariado já afeito ao intervencionismo estatal, vai inaugurar uma fase de intensa modernização econômico-social e estatal (de cunho racionalizante) mantendo, todavia, a sociedade aprisionada ao paternalismo. Somente a partir da redemocratização de 1945 é que conheceremos partidos nacionais que visavam representar os interesses sociais. Mesmo assim, em 1947, o partido dos trabalhadores (PCB) era posto na ilegalidade e os sindicatos mantidos sob as rédeas do governo.

Quando a urbanização nos bate às portas, a partir dos anos 1950, e os conflitos sociais (greves operárias e revoltas camponesas) adquirem uma dimensão importante, a modernização do Estado claudicava e a inclusão social restava barrada num parlamento pouco representativo, em meio a instituições políticas atrofiadas — não obstante a diversificação social provocada pelos avanços econômicos —, fazendo com que, de novo, a crise cíclica de democratização desembocasse em intervenção militar. Ao final do último ciclo militar, que durou inéditos 20 anos, a economia fora modernizada, mas a racionalização do Estado ficara restrito à esfera federal e a inclusão social limitara-se à classe-média urbana e rural, ficando as instituições políticas prisioneiras do casuísmo do regime.

A redemocratização de 1984 e a Constituição de 1988, finalmente, abriram as portas para a igualdade social, mas a economia viu seu pilar industrial regredir, colocando em risco as conquistas sociais alcançadas, e a modernização política parou na porta do sistema partidário-eleitoral, tomado por novas oligarquias vindas de baixo, provando que a democracia, desacompanhada de boa regulação, ao contrário do que rezam certos evangelhos, não é garantia de bom governo.

Num país sem instituições solidamente modernizadas e culturalmente reformadas, de longa data, as crises, combinadas à desigualdade, insegurança econômica e corrupção arraigada, passam a ser material inflamável exposto ao combustível fóssil das fricções sociais típicas da modernidade que, nas democracias maduras, costumam ser resolvidas, não agravadas, por eleições sucessivas.

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Hamilton Garcia é professor em Ciência Política na UENF/RJ

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