quinta-feira, 26 de abril de 2018

José Serra*: Para inglês não ver

- O Estado de S.Paulo

Aprovado no Senado, PL 428 objetiva induzir a administração pública ao gasto eficiente

No Brasil de hoje prevalece grande insatisfação com a qualidade dos serviços públicos, notadamente nas áreas de saúde, educação e segurança. Não poderia ser diferente, pois, até agora, os recursos destinados a essas áreas têm sido insuficientes ou mal empregados, ainda que vultosos.

Por isso é fundamental promover – até para estabelecer prioridades – avaliações transparentes e sistemáticas, nas três esferas de governo, dos custos e benefícios das políticas sociais postas em prática. E, paralelamente, reconhecer que será preciso reforçar as ações do Estado, tornando-as mais fortes e eficientes.

Nesse contexto, conviria começar por uma avaliação das experiências internacionais bem-sucedidas, com o intuito de subsidiar a formulação e a implantação das reformas em nosso país. Foi com base numa dessas experiências que se introduziu na agenda legislativa do Congresso o Projeto de Lei 428/2017, que objetiva criar no País um instrumento de gestão de gastos semelhante ao adotado em várias democracias modernas: o Plano de Revisão Periódica de Gastos. Esse projeto, apresentado na semana passada, acaba de ser aprovado quase por unanimidade no Senado. A rapidez deveu-se não só a entendimentos políticos, mas, sobretudo, à compreensão pelas forças políticas da sua importância, o que aumenta o otimismo quanto a uma rápida tramitação na Câmara.

Com o objetivo induzir a administração pública ao gasto público eficiente, o PL 428 institucionaliza no País um sistema permanente de revisão dos gastos, conhecido internacionalmente como Spending Reviews. É um modelo que já tem sido testado em diversos países – Austrália, Canadá, Reino Unido, Holanda e Dinamarca –, especialmente depois da crise de 2008, com bons resultados.

Os planos de revisão de gastos adotados pelos países da OCDE são instrumentos para garantir sustentabilidade fiscal a partir de um objetivo bem específico: propor alternativas para redução de gastos ou para dar prioridade a gastos mais importantes. Segundo Marc Robson, renomado especialista no tema, os países que adotam Spending Reviews geram economias ou ganhos de eficiência persistentes, de 2% a 3%, mesmo nos gastos obrigatórios. No Brasil isso poderá significar economia de até R$ 40 bilhões.

A proposta aprovada no Senado foi inspirada pelo encontro dos Poderes Legislativo e Executivo que se realiza anualmente nos Estados Unidos – o famoso State of Union. Previsto na Constituição, esse evento político é dos mais relevantes na democracia americana. Na abertura dos trabalhos do Congresso, o presidente dos Estados Unidos apresenta aos membros do Parlamento as condições do país e o que precisa ser feito – tudo transmitido e até debatido pela maioria dos meios de comunicação.

A Constituição brasileira também prevê o encontro entre os Poderes. De acordo com seu artigo 84, cabe ao chefe do Poder Executivo “remeter mensagem e plano de governo ao Congresso Nacional por ocasião da abertura da sessão legislativa, expondo a situação do País”. Essa solenidade, entretanto, não suscita ainda maior interesse na sociedade. O próprio Congresso tende a encará-la como um ato de natureza cerimonial. Por seu turno, o governo prepara um documento formal, em geral desinteressante.

O que se impõe como medida prioritária é a apresentação pelo presidente da República, na abertura das sessões legislativas a cada ano, de um verdadeiro plano de revisão de gastos, que apresente avaliações de custo e benefício de cada programa governamental. Paralelamente, devem ser apresentadas as medidas necessárias para o aprimoramento das políticas públicas, incluindo uma agenda legislativa consistente com esse programa.

O documento elaborado pela Presidência deve consolidar as alternativas de economia de gastos com base em avaliação sistemática e no cenário fiscal – que demonstre as consequências de manter a inércia dos gastos. As propostas devem ser apresentadas de maneira transparente, com prioridades e medidas específicas de poupança ou eventual deslocamento de recursos para ações prioritárias. É esta a missão de um governo eficiente: privilegiar programas com maiores benefícios para a sociedade, reduzindo desperdícios e encerrando políticas públicas que não deem resultado.

A instituição do Spending Review, em lei, garantira ao País uma sistemática de revisão de gastos não associada a grupos políticos. Todos os presidentes da República, independentemente de ideologias e crenças, teriam a obrigação de mostrar à sociedade a situação das contas públicas e o que precisar ser revisado para preservar a sustentabilidade fiscal e o desenvolvimento do País.

A criação desse sistema permanente de revisão de gastos é essencial para a sobrevivência do novo teto de gastos, aprovado pelo Congresso em 2016, que impede o crescimento real da despesa pública nos próximos dez anos. Nesse novo regime fiscal, repriorizações, escolhas alocativas, economias orçamentárias e ganhos de eficiência têm de ser a essência do processo orçamentário.

A prática de Spending Reviews nos permitirá avançar na maneira de fazer políticas públicas. A sociedade poderá acompanhar melhor as ações do governo, a evolução dos principais gastos e a qualidade dos programas de ajuste fiscal. Trata-se de uma medida que reforça o espírito da responsabilidade fiscal: “Uma ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e se corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas”.

No Reino Unido, as revisões periódicas de gastos são a marca registrada das finanças públicas desde 1998. A grande vantagem do modelo é a ampla aceitação pública e política. No período de 2010 a 2014, o Tesouro daquele país economizou cerca de 81 bilhões de libras.

O Brasil pode fazer o mesmo: uma gestão fiscal que economize, de fato, e não um ritual “para inglês ver”.
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* José Serra é senador (PSDB-SP)

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