terça-feira, 10 de abril de 2018

Míriam Leitão: Projeto elétrico


- O Globo

A privatização da Eletrobras está cada vez mais difícil. É isso que se ouve dentro do próprio governo. É questão técnica, complexa, exige vários passos prévios e o mais complicado é aprovar duas medidas no Congresso, sem as quais não se pode fazer a operação. A mudança no Ministério das Minas e Energia não favorece, porque a troca fez sair o secretário-executivo que cuidava dos aspectos técnicos.

Paulo Pedrosa organizava dentro do Ministério as medidas que precisam acontecer para se fazer esse aumento de capital que levará à privatização. Havia expectativa de que ele assumisse. Teria sido a melhor escolha. Mas o governo nomeou para lá o ministro Moreira Franco.

Eu fiz um comentário sobre isso na “CBN”, dizendo que a privatização ficou mais distante. A resposta do Palácio do Planalto foi meio destemperada. Disse que meu comentário era “antidemocrático, obtuso e incoerente". Esse governo nem deveria usar tais adjetivos. Até porque eles, na verdade, caem como uma luva sobre o próprio governo.

Os problemas se acumulam. Em um mês o valor de mercado da Eletrobras encolheu 22%, porque está aumentando a dúvida sobre a privatização. Para que ela ocorra é preciso aprovar neste primeiro semestre no Congresso a possibilidade de o governo não acompanhar um aumento de capital da Eletrobras. Hoje, ele é obrigado por lei a acompanhar. Tem que ser aprovada também a mudança nas concessões de algumas usinas do regime de cotas para o de produção independente.

A Eletrobras, depois disso, terá que fazer duas cisões: separar a Itaipu e a Eletronuclear, que hoje são parte da estatal brasileira. Outra condição prévia é a venda de seis distribuidoras que estão sendo oferecidas a um preço simbólico. Antes de vender a Distribuição Amazonas será preciso fazer uma cisão separando a parte de geração. Para que essa operação se complete, a Petrobras tem que concordar com a cessão do contrato de fornecimento de gás. A Petrobras só aceita se a Eletrobras pagar o que lhe deve: uma conta de R$ 20 bilhões.

No setor elétrico, o receio é que Temer abra mão do projeto em troca de apoio político. A Eletrobras divulgou no mês passado o seu balanço de 2017 e os números impressionam. Os prejuízos são bilionários, os investimentos estão em forte queda e, sem novos aportes do Tesouro, ela ficará incapacitada de rolar sua dívida.

A grande vantagem em todo esse processo é que a empresa continua sendo administrada por um gestor eficiente. Wilson Ferreira tem mandato até o ano que vem e agilidade para resolver as inúmeras pendências que dependem da empresa. O problema é o que depende do Congresso. O governo perdeu a força para conduzir a agenda. Só nos últimos dias, caducou a MP que elevava o imposto dos fundos exclusivos e a bancada ruralista impôs uma derrota bilionária ao Tesouro.

A Eletrobras controla um terço da geração de energia e metade das linhas de transmissão do país. É uma empresa gigante, a maior investidora do setor elétrico brasileiro, mas também a mais endividada. A dívida de R$ 48 bilhões supera o seu patrimônio líquido (R$ 42 bilhões) e corresponde a quase nove anos de geração de caixa. Se fosse privada já teria quebrado.

A companhia nunca foi uma grande geradora de lucros, mas desde a promulgação da MP 579, em 2012, pela presidente Dilma, os prejuízos se tornaram constantes. De lá para cá, são R$ 29 bilhões de perdas. Com isso, os investimentos despencaram, segundo a consultoria Economática. Se em 2012 chegou a R$ 15 bilhões, em 2017 caiu para R$ 3,7 bi.

A empresa fechou o ano passado com um prejuízo de R$ 1,7 bilhão e o que ajudou a colocar o número no vermelho foi uma baixa contábil de R$ 11,2 bilhões na usina nuclear de Angra 3. Como a obra foi embargada em 2015, por suspeitas de corrupção, a companhia é obrigada a declarar como prejuízo o valor investido. A usina é um problema ainda sem solução. Está 63% pronta. A energia nuclear é cara e controversa. Há quem no governo deteste a ideia de retomar essa construção.

O tema é complicado, o novo ministro já cuidava da privatização, e é da intimidade do Planalto, mas este é um momento em que o foco do governo é conseguir apoio político para o candidato governista. Seja ele qual for.

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