terça-feira, 10 de abril de 2018

O tresvario de Lula: Editorial | O Estado de S. Paulo

Em discurso, ele demonstrou todo o seu profundo desapreço pela democracia e pelas instituições que a sustentam

Dois dias antes de sua prisão, o ex-presidente Lula da Silva gravou um vídeo no qual diz que o juiz Sérgio Moro, que o condenou por corrupção e lavagem de dinheiro, tem uma “mente doentia”. Mas, quando subiu ao palanque para discursar antes de ser preso, no sábado passado, o demiurgo de Garanhuns mostrou que, se há alguém perturbado nessa história toda, esse alguém não é o juiz Moro.

Nos 54 minutos de pronunciamento, feito depois de uma “missa” encenada para “homenagear” sua falecida mulher, Lula demonstrou todo o seu profundo desapreço pela democracia e pelas instituições que a sustentam. Repetiu que todos – polícia, Ministério Público e os juízes que o julgaram – mentiram no processo pelo qual foi condenado. Atribuiu sua condenação a uma gigantesca mancomunação do Judiciário com a imprensa, tudo isso porque “eles não querem que o Lula volte”. E bravateou: “Eles têm de saber que nós vamos fazer definitivamente uma regulação dos meios de comunicação para que o povo não seja vítima das mentiras todo santo dia”.

Em seguida, Lula incitou à baderna, ao falar que seus seguidores vão “queimar pneus”, “fazer passeatas” e “ocupações no campo e na cidade”. A senha foi plenamente compreendida pela tigrada, que a rigor nunca precisou de uma ordem explícita de seu líder para exercitar sua truculência. Enquanto Lula da Silva desafiava a Justiça em cima de um carro de som, seus adoradores atacavam um prédio onde a presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, tem apartamento e agrediam vários jornalistas que tentavam apenas fazer seu trabalho.

Para a desfaçatez ser completa, faltava apenas o Sindicato dos Jornalistas de São Paulo defender as agressões – e foi exatamente o que aconteceu, em nota na qual aquela agremiação, governada pela CUT, atribuiu a violência à “política das grandes empresas de comunicação, que apoiam o golpe e que adotam uma linha editorial de hostilidade contra organizações populares”. Segundo esses sindicalistas, os jornalistas – que o tal sindicato diz representar – só deixarão de ser agredidos quando “se retomar a democracia”, “com Lula livre”. Até lá, é o que se depreende, os petistas podem bater à vontade em repórteres.

O delirante discurso de Lula antes de ir para a cadeia apenas acentuou o isolamento do PT e de seu inebriado chefão. A uma plateia minguada, formada basicamente por sindicalistas, Lula plagiou Martin Luther King, ao falar dos “sonhos” que ele julga ter viabilizado e que seus inimigos querem destruir, e se travestiu de Spartacus ao sugerir que, assim como os escravos romanos que, na ficção escrita e filmada, se deixaram crucificar aos gritos de “Eu sou Spartacus”, haveria “milhões e milhões de Lulas” andando por aí a enfrentar os “poderosos”.

Nada dessa grandiloquência boquirrota, contudo, parece ter despertado as massas, que até aqui permanecem alheias ao destino daquele que diz ser seu maior comandante. Em alguma medida, pode-se dizer que esse desfecho melancólico resulta de um cansaço com o protagonismo exercido por Lula desde a criação do PT, há mais de três décadas. Nesse período, sob sua inspiração, o partido exibiu notável indisposição com a democracia. Nunca aceitou nenhum governo que não fosse o seu, fazendo campanha sistemática pela derrubada de presidentes. Votou contra a Constituição porque queria uma ainda mais radicalmente estatista. Promoveu greves, invasões e baderna com o objetivo de inviabilizar governos. E agora, pela voz de seu dono, os petistas fazem troça das instituições, com arreganho autoritário contra juízes e a imprensa. Melhor nem imaginar como seria um governo movido por esse espírito, caso Lula pudesse concorrer à Presidência. Felizmente, há uma lei que proíbe tal despautério, e a opinião pública certamente repudiaria qualquer casuísmo que o permitisse.

Resta ao ex-presidente apostar na fé de seus mais fanáticos seguidores, que preferem o credo da infalibilidade do Grande Líder a aceitar que ele cometeu uma série de crimes, pelos quais tem de pagar.

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