quinta-feira, 12 de abril de 2018

Ribamar Oliveira: LDO inova para cumprir "regra de ouro"

- Valor Econômico

Despesa obrigatória ficará condicionada a endividamento futuro

A proposta orçamentária para 2019, que será encaminhada em agosto ao Congresso Nacional pelo governo, terá um volume considerável de despesas obrigatórias com execução condicionada a uma receita de operação de crédito, a ser autorizada por um projeto de lei de crédito especial ou suplementar ao Orçamento, que será proposto no próximo ano pelo presidente da República eleito em outubro.

Dito de uma forma mais direta: despesas obrigatórias (como o pagamento de aposentadorias, por exemplo) só serão pagas no próximo ano se a União conseguir autorização do Congresso para emitir títulos públicos e, desta forma, obter os recursos necessários.

A criação desta nova figura, quase surreal, de "despesa obrigatória condicionada a endividamento futuro" foi a fórmula encontrada pela equipe econômica para cumprir a chamada "regra de ouro" no próximo ano. O projeto de lei de diretrizes orçamentárias (PLDO), que será encaminhado hoje ou amanhã ao Congresso, terá um artigo permitindo que conste do Orçamento uma despesa condicionada a uma receita de operação de crédito a ser solicitada pelo governo no próximo ano, de acordo com fontes do governo ouvidas pelo Valor.

Para entender o labirinto em que o governo se meteu, é importante observar uma regra introduzida pela Constituição de 1988. Ela determina que as operações de crédito não podem superar o montante das despesas de capital, que são os gastos com investimentos, inversões financeiras e amortizações da dívida pública. Ou seja, o governo não pode aumentar o seu endividamento para pagar despesas de custeio da máquina administrativa, pagar pessoal, aposentadorias e outras despesas correntes. Este princípio ficou conhecido como "regra de ouro" das finanças públicas.

O problema é que a União registra déficit primário elevado desde 2014, principalmente pelo descontrole de gastos com a Previdência Social e com os servidores. Em outras palavras, o governo está emitindo títulos, fazendo dívida, para cobrir despesas correntes. A "regra de ouro" só vem sendo cumprida com o uso de artifícios contábeis, como a transferência para o Tesouro do lucro contábil, e fictício, do Banco Central com a valorização das reservas internacionais do país e o pagamento antecipado pelo BNDES dos empréstimos concedidos pela União.

O uso dos artifícios contábeis está cada vez mais limitado. No ano passado, o BC registrou prejuízo (também contábil) com as reservas, pois o real se valorizou frente ao dólar. E a margem para a devolução dos empréstimos pelo BNDES ficará reduzida, com a programação de pagamento antecipado de R$ 130 bilhões neste ano. A questão que atormenta a área econômica desde meados do ano passado é saber como cumprir a "regra de ouro" sem a ajuda dos recursos vindos do BC e do BNDES.

A solução encontrada está no próprio texto constitucional. Ele permite que o governo realize operações de crédito em montante superior às despesas de capital desde que seja para pagar uma despesa com finalidade específica. Para isso, o governo precisa encaminhar ao Congresso um projeto de lei de crédito suplementar ou especial ao Orçamento, que precisa ser aprovado pelo Legislativo por maioria absoluta.

A dificuldade da área econômica é como incluir na proposta orçamentária de 2019 uma despesa que será custeada por operação de crédito que ainda não foi autorizada pelo Congresso e resultará de um projeto de lei de crédito suplementar ou especial a um Orçamento que ainda não foi aprovado. A solução encontrada, e que foi submetida à avaliação do Tribunal de Contas da União (TCU), é a LDO autorizar a inclusão dessa despesa condicionada na proposta orçamentária.

O "buraco" da "regra de ouro" a ser fechado no próximo ano é superior a R$ 200 bilhões, de acordo com fontes ouvidas pelo Valor - ou seja, este é o montante das operações de crédito que está superando as despesas de capital previstas para 2019. Mesmo que fosse possível ao governo cortar todas as despesas discricionárias, ou seja, aquelas que ele tem liberdade legal para não executar, que incluem o custeio da máquina e os investimentos, ainda assim a medida não seria suficiente para fechar o "buraco". As despesas discricionárias são inferiores a R$ 130 bilhões.

O pior é que cortar investimentos não resolve o problema da "regra de ouro", pois a medida não reduziria o "buraco" a ser coberto - a Constituição permite realizar operação de crédito para fazer investimento. Assim, o pedido que será enviado ao Congresso no próximo ano pelo presidente eleito será para realizar operações de crédito para pagar despesas correntes obrigatórias.

Ainda não se sabe se o fechamento da "regra de ouro" será feito apenas com o crédito especial ou suplementar. É possível que outras alternativas sejam acionadas. O projeto de LDO não vai detalhar essa questão, o que será feito apenas na proposta orçamentária, de acordo com as fontes ouvidas.

Existem pelo menos três perguntas que podem ser feitas sobre o problema da regra de ouro. A primeira é saber por que o governo chegou ao ponto de não cumprir a regra. A explicação parece estar na estratégia seguida pela equipe econômica, que adotou um ajuste fiscal gradualista. Diante de uma das piores recessões da história do país, é razoável acreditar que uma política fiscal mais severa, contracionista e menos gradual, poderia ter agravado a crise econômica.

Depois, é preciso perguntar porque o governo não encaminhou, neste ano, um projeto de lei de crédito suplementar ou especial ao Congresso, solicitando a emissão de títulos para pagar, por exemplo, parte das despesas da Previdência. Se tivesse feito isso, o pagamento antecipado pelo BNDES dos empréstimos do Tesouro poderia ter sido deixado para ser usado em 2019. Há informação de bastidor de que essa possibilidade chegou a ser discutida, mas o governo avaliou que o desgaste político seria muito grande.

Uma terceira pergunta é por que o artigo constitucional da "regra de ouro" não foi alterado quando o governo propôs o teto de gasto para a União. Aquele teria sido o momento certo para suspender a aplicação da regra, enquanto durasse o limite para a despesa.

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