domingo, 6 de maio de 2018

Carência imóvel: Editorial | Folha de S. Paulo

Programas como o Minha Casa, Minha Vida não reduziram o déficit de moradias de boa qualidade; novas iniciativas precisam privilegiar regiões centrais

O incêndio que levou abaixo o edifício Wilton Paes de Almeida, no centro de São Paulo, despertou questionamentos sobre as invasões de prédios em condições precárias na maior cidade brasileira e debates acerca das crônicas carências nacionais na área de habitação.

É relativamente recente —data de 1996— a formulação de uma metodologia mais confiável para quantificar as necessidades de moradia que se acumulam no país.

Estudos com base em dados do IBGE, realizados pela Fundação João Pinheiro em parceria com o Ministério do Planejamento, indicam que em 2015 (data do levantamento mais recente) registrou-se um déficitde 6,4 milhões de unidades, ou 9,3% do total disponível.

A defasagem entre demanda e oferta de residências se mantém elevada, com oscilações nos últimos anos, a despeito de iniciativas do setor público —entre as quais se destaca, pelas dimensões (e também por equívocos conceituais), o Minha Casa, Minha Vida.

Bandeirada ex-presidente Dilma Rousseff (PT), o programa desembolsou mais de R$ 100 bilhões (em valores corrigidos do Orçamento federal) desde 2009 e entregou até 2017, segundo dados oficiais, 3,7 milhões de habitações.

A explicação para o déficit persistente está não apenas no crescimento populacional, mas em fatores como a formação de novas famílias e aumento da expectativa de vida. Metade dele, ademais, refere-se a casos crescentes de custos considerados excessivos com aluguel.

Apura-se ainda o que se chama de déficit qualitativo, ou seja, relativo a moradias precárias, em geral sem contar com serviços básicos. São cerca de 9,8 milhões de domicílios no país sem acesso ou com acesso deficiente a infraestrutura, dos quais 3,2 milhões localizam-se em favelas ou em aglomerados semelhantes.

É óbvio que tais condições atingem, na grande maioria das vezes, os estratos populacionais de baixa renda, que dependem de subsídios estatais para obter moradia.

Tampouco há dúvidas de que as restrições orçamentárias se agravaram com a gestão irresponsável dos anos Dilma e a recessão econômica da qual o país se recupera de modo lento e tortuoso. Mais do que nunca, portanto, é necessário examinar formas mais eficientes para a ação do Estado.

Historicamente, os programas habitacionais —incluindo o Minha Casa, MinhaVida— têm privilegiado a construção de unidades prontas, não raro com arquitetura duvidosa ou mesmo opressiva, nas periferias das grandes cidades.

Esse tipo de alocação, ainda que necessário, gera problemas como a necessidade de investimentos adicionais em infraestrutura e mobilidade urbana. Seus beneficiários tendem a morar a longas distâncias de seus locais de trabalho, sem oferta satisfatória de transporte.

Não por acaso, urbanistas têm chamado a atenção para a necessidade de aproveitamento de áreas centrais, nas quais há serviços públicos como saneamento, linhas de trem, ônibus ou metrô —é precisamente o caso de São Paulo.

O Plano Diretor da cidade, diga-se, estimula a construção nesses corredores de transporte e tem propiciado alguns empreendimentos relevantes. Chama a atenção, porém, que não tenham saído do papel projetos para a reutilização de regiões pós-industriais e outras áreas que comportariam maior adensamento.

Há, sem dúvida, iniciativas para reverter o esvaziamento do centro, como a transferência da sede de órgãos públicos. Também se verificam lançamentos de pequenos apartamentos e alguma renovação do comércio e de moradias antigas.

Não é o bastante, contudo, para promover uma oferta mais significativa de imóveis, em especial para os setores de renda baixa.

O processo de abandono e degeneração de edifícios permanece, e sua reversão esbarra, entre outros fatores, nos elevados custos de reformas (em geral, é mais barato construir um novo prédio do que recuperar um antigo deteriorado) e no relativo desinteresse do setor público e do mercado.

À sombra desse quadro prosper a indústria das invasões, em que alguns movimentos chegam a ser instrumentalizados por grupos ligados à criminalidade, em especial ao tráfico de drogas.

É de esperar das autoridades governamentais, em todos os níveis, que zelem ao menos por condições mínimas de segurança e salubridade nessas edificações. Lamentavelmente o que se vê, no mais das vezes, é descaso, abandono e ausência de fiscalização —um convite a tragédias como a que ocorreu no feriado do Dia do Trabalho.

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