sábado, 5 de maio de 2018

Facetas urbanas do drama habitacional: Editorial | O Globo

A lerdeza e incompetência de governantes no aproveitamento de prédios públicos ociosos estimulam o surgimento de ‘movimentos de sem-teto’ com objetivos múltiplos

Inevitável que a queda do edifício Wilton Paes de Almeida e seus 24 andares, em meio a chamas, no Centro velho de São Paulo, e que era ocupado por inquilinos arrebanhados pelo Movimento da Luta Social por Moradia (MLSM), uma dessas organizações que têm explorado, no sentido literal, as tensões habitacionais urbanas — até com objetivos pecuniários, como se vê — reforce a questão da falta de moradia para famílias de baixa renda nas cidades brasileiras. Problema antigo que é quase sempre explorado de forma populista e que, agora, há evidências de que também com objetivos criminosos.

Há mortos no desabamento do edifício, e a lista de responsáveis é extensa. Há um absoluto descontrole da União dos seus imóveis, o Wilton Paes de Almeida, um deles. O governo federal sequer sabe ao certo o tamanho do seu patrimônio. Segundo o Ministério do Planejamento, haveria 655 mil imóveis, mas apenas 155 mil registrados. Imagine-se as possibilidades de vigarices que isso permite. Explica-se por que a existência de tantos “movimentos” de defesa de “sem-teto” nas maiores cidades do país. O mercado é atrativo. Há, ainda, a leniência de prefeituras e de governos de estado na fiscalização e no desenvolvimento de programas para utilização desses imóveis como habitações para famílias de baixa renda.


A lerdeza e incompetência de governantes, de todos os níveis, no aproveitamento deste patrimônio público abandonado, para ajudar a resolver o drama habitacional urbano, estimulam o surgimento dos tais “movimentos de sem-teto” com objetivos múltiplos, alguns capitulados no Código Penal. Há informações da polícia de que organizações criminosas usam, em São Paulo, pelo menos, essas “invasões” como base de distribuição de drogas. Configura-se um caso em que, na pior maneira possível, um problema social vira caso de polícia. Talvez a tragédia de São Paulo sirva para destampar soluções defendidas há tempos para reduzir o chamado “déficit habitacional”, termo que há décadas frequenta planos de governos e discursos da situação e oposição, sem resultados estruturais positivos.

É um paradoxo que o país passe por um momento de estimulantes condições macroeconômicas para financiamentos de longo prazo, como os habitacionais, com inflação baixa e juros em queda, e pouco ou nada se faça. Nessas condições, é menos custoso para governos o inevitável subsídio a programas para famílias de renda baixa. Haveria no Rio de Janeiro, segundo O GLOBO, 13 mil famílias em moradias erguidas em locais impróprios; em São Paulo, 73 mil. Pode ser que já existam, mas municípios e estados precisam ter estimativas do potencial de alocação dessa população em imóveis públicos abandonados, devidamente reformados. Talvez não solucionem toda a equação habitacional para a baixa renda, mas é uma alternativa importante à velha e equivocada opção de construção de conjuntos habitacionais onde não há infraestrutura de qualquer tipo e longe dos empregos.

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