segunda-feira, 21 de maio de 2018

Fernando Limongi: Diga-me com quem andas

- Valor Econômico

Mimos, pequenos favores e afagos levam à amizade

No dia em que o ministro Gilmar Mendes concedeu habeas corpus a Milton Lyra, tido e havido por operador do MDB, a defesa do libertado fez circular a seguinte nota: "O advogado Pierpaolo Bottini, que representa o empresário, considerou a decisão do ministro Gilmar Mendes acertada e reconheceu que a prisão preventiva foi decretada sem os requisitos autorizadores para a medida cautelar, agora revogada."

Horas mais tarde, a nota foi retificada com a recomendação para descartar a anterior. Na nova comunicação, o advogado corrigiu as razões pelas quais concordava com o ministro: "Não havia motivo ou razão para a prisão de alguém que já estava à disposição da justiça para prestar todos os esclarecimentos."

Dado o que estava em jogo nessa e em outras decisões do ministro, as justificativas são irrelevantes e tão versáteis e plásticas como as que a assessoria de imprensa do advogado escolheu divulgar. O que importa mesmo é tirar os amigos da prisão. Vai que eles resolvem fazer delações...

A empresa de comunicação responsável pelas notas anuncia ter entre seus pontos fortes 'o gerenciamento de crises de imagem' e propagandeia ser capaz de traçar 'a estratégia de comunicação mais adequada para cada caso, em estreita sintonia com estes últimos a fim de não lhes causar embaraços quanto à atuação na esfera judicial.'

Às vezes, há de se convir, não é fácil atender às necessidades dos clientes. A assessoria do advogado bateu cabeça. Há que se admitir que a tarefa não é das mais fáceis. Nem sempre é possível administrar crises ou evitar embaraços quando se é beneficiado pelas decisões erráticas de Gilmar Mendes.

O ministro, de sua parte, parece não dar a mínima para a própria imagem, tampouco para a instituição a que pertence - o Supremo Tribunal Federal -, cuja reputação insiste em rebaixar com uma falta de cerimônia insuperável.

Não faz muito tempo, o ministro mandou às favas a modéstia e, mais recentemente, parece ter deixado de lado as aparências e a necessidade de demonstrar imparcialidade. Era pedra cantada que concederia o habeas corpus a Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto, evitando uma delação premiada que poria em polvorosa inúmeros tucanos de alta plumagem, aqueles que gozam da intimidade do ministro.

No seu afã de salvar os amigos, o ministro concedeu a si próprio um salvo-conduto para fazer o que bem entender, sem limites ou censura. A instituição a que pertence, por acaso, não trata desse tipo de assunto? Arroubos retóricos e bate-bocas servem apenas para proteger imagens pessoais, mas não tratam a causa da crise.

Mas enquanto Gilmar Mendes cuidava de acabar com mais uma das prisões preventivas de Curitiba, o juiz federal Sergio Moro, o estrategista que elevou a prática a um método, embarcava para mais uma viagem aos Estados Unidos. Moro não se pronunciou sobre o novo ataque desfechado por seu desafeto. Os chiliques da turma da Força são seletivos.

Quando fora do Brasil, conversando com admiradores e apoiadores da sua obra, Moro se solta e perde a carranca com que transita entre sua gente. Mais à vontade, em conversa miúda e fraternal, não se furta a explicitar seus objetivos e as transgressões feitas em nome da causa, como dar publicidade a gravações ilegais e recorrer à prisão preventiva. Não esconde também suas ambições: os interlocutores notam o brilho em seus olhos sempre que se faz menção a uma cadeira no Supremo Tribunal Federal.

Nesse novo périplo, o juiz deixou transparecer o deslumbramento com o estrelato alcançado. Incensado e chamado de 'herói nacional', Moro encontrou tempo para flanar entre celebridades e viver como uma delas. A imagem do asceta austero, dedicado exclusivamente ao trabalho, que examina processos em aviões de carreira, cedeu lugar à do frequentador de colunas sociais. Criticado por seu mundanismo, Moro deu de ombros: "Estou num evento social e tiro uma foto, isso não significa nada. É uma bobagem isso."

Difícil imaginar que Moro seja politicamente ingênuo ou que não calcule as repercussões de todos os seus atos. Conforme pilhéria feita pelo próprio, o juiz sabe que a cor da gravata que veste tem conotações políticas. Difícil crer que Moro seja um inconsequente, que de fato ache que ser objeto da bajulação explícita da empresa de um político e tirar fotos ao lado do mesmo careça de importância. Moro não desconhece que João Doria é candidato ao governo do Estado de São Paulo ou que tem aspirações declaradas de concorrer à Presidência. Por acaso, Moro vai tirar fotos com todos os candidatos ao governo de São Paulo? Moro vai fazer o mesmo com todos os aspirantes à Presidência?

Para quem se julga moralmente acima dos demais, toda e qualquer crítica é uma bobagem. 'Eventos sociais', as delações da Lava-Jato estão aí para comprovar, são momentos importantes para quebrar distâncias e gerar a proximidade de que se valem os lobistas. Mimos, pequenos favores e afagos levam à amizade e à intimidade que abrem as portas para ajudas em momentos decisivos ou difíceis. A reciprocidade está na base do tratamento preferencial aos amigos. O juiz federal sabe disso, como sabe também quem indica nomes para a posição a que tanto aspira.

Está na Bíblia: "Me digas com quem tu andas e te direi quem tu és". No Brasil de hoje, diante da prevalência dos 'embaraços judiciais', a máxima pede emenda: diga-me quem tu prendes e soltas e eu te direi quem és. E com quem se aparece na foto diz mais que a cor da gravata.
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Fernando Limongi é professor do DCP/USP e pesquisador do Cebrap.

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