segunda-feira, 28 de maio de 2018

Fernando Limongi: Encontro com o futuro

- Valor Econômico

Sem votos, Temer foi realista e abandonou corrida presidencial

No início da semana, Michel Temer comunicou que não tentará a reeleição. Ninguém se surpreendeu. O presidente se rendeu aos fatos: não teria votos. De sua parte, o ex-presidente Lula resiste e sequer cogita discutir o destino dos votos que teria, se pudesse concorrer, adiando assim a discussão inevitável, que mantém em suspenso o quadro sucessório.

Sempre atinado com as necessidades do marketing político, o MDB marcou a troca de Michel Temer por Henrique Meirelles com uma cerimônia com direito a nome e documento: "Um Encontro com o Futuro".

Em entrevistas, o ex-ministro colocou-se como o candidato da continuidade: "É o momento de tomar medidas para evitar que o Brasil entre em crise a cada dez anos. Precisamos apenas de mais quatro anos para construir um novo Brasil". Afirmou ainda que o presidente seria um 'cabo eleitoral positivo', mas deixou escapar a ressalva: "É importante dizer também que o meu histórico é um histórico de uma reputação inquestionável".

Isso foi na terça. Nos dias seguintes, os eventos trataram de desmentir a pompa com que o governo festejou os efeitos das reformas que justificariam o slogan escolhido a dedo pelo candidato: "Quando o Brasil tem uma crise, chama o Meirelles".

Diante da paralisia provocada pela greve dos caminhoneiros, não ocorreu a ninguém chamá-lo. O próprio Meirelles saiu pela tangente quando perguntado sobre a política de preços da Petrobras.

Uma coisa é certa, Henrique Meirelles não é o candidato do MDB e, nem mesmo, do governo. É antes de tudo um candidato de si mesmo. Realiza um sonho obstinadamente buscado desde que se aposentou e retornou ao Brasil. Bajulou Lula e esperou ser ungido para sucedê-lo. Preterido, não se abateu e agarrou a nova oportunidade.

O beneplácito do MDB à aventura só veio porque acompanhado da promessa de que a campanha do ex-ministro será financiada com seus próprios recursos. Assim, em tese, o partido não perde nada com a candidatura e preserva o Fundo de Desenvolvimento da Democracia para seus reais candidatos.

O liberalíssimo Flávio Rocha fez juras semelhantes ao PRB, para obter o aval da sigla para sua campanha. Mas o PRB e o MDB não são partidos do mesmo quilate. Para um partido pequeno, que raramente tem candidatos a governos estaduais e ao Senado, uma candidatura presidencial não atrapalha muito. Para o MDB, a coisa não é tão simples.

Não por acaso, no passado, o MDB se retirou das eleições presidenciais para ganhar compensações na composição das chapas aos governos estaduais e ao Senado. Enquanto PT e PSDB se engalfinhavam no plano nacional, o MDB, nos Estados, pendia para o lado que lhe trouxesse maiores ganhos. Lançava mais candidatos ao governo e ao Senado do que qualquer outro partido, garantindo com a estratégia a manutenção de seu poderio.

PP, DEM, PR, PRB, PDT e tutti quanti adotavam uma versão ainda mais radical dessa estratégia: sequer lançavam candidatos ao governo e, no máximo, ficavam com uma vaga de senador aqui ou ali, nas chapas comandadas por um dos dois blocos.

Assim, se Meirelles concorrer à Presidência pelo MDB, mesmo que todas as despesas da sua campanha saiam do seu bolso, sua candidatura retira graus de liberdade das lideranças estaduais do partido, liberdade essa que faz a força eleitoral do partido. Em outras palavras, a candidatura Meirelles mais atrapalha que ajuda.

Para ser concreto, tome-se o caso do Ceará, onde PDT, PT e MDB negociam uma grande coligação que envolve Ciro Gomes, Camilo Santana e Eunício de Oliveira. Para Eunício, a aliança com o adversário de quatro anos atrás é crucial para assegurar mais oito anos no Senado. Uma eventual candidatura Meirelles não inviabiliza a aliança, mas cria dificuldades, pois Eunício seria forçado a conciliar os dois palanques.

O caso do Ceará é emblemático porque lá se cruzam os destinos do MDB e do PT. Em entrevista recente, Camilo Santana chamou seu partido à razão. Seus argumentos não podem ser ignorados. Lula, afirmou o governador, não será candidato. Isso é um fato e é a partir dessa constatação inarredável que o partido deve traçar sua estratégia eleitoral. Partindo dessa premissa, Santana concluiu que insistir na candidatura Lula é apostar em um "isolamento suicida", e que o ex-presidente pode "contribuir muito nesse processo eleitoral", mesmo sem ser candidato.

Apoiar Ciro permitiria forjar uma coligação de esquerda para abrigar os candidatos aos governos estaduais do PT. Esta não é a única via possível. Outra seria ter candidato próprio, um vice do partido que assumisse o lugar de Lula após a impugnação da chapa encabeçada pelo ex-presidente. Nessa segunda alternativa, os candidatos aos governos pelo partido acabam prejudicados, porque impedidos de contar com o apoio de coligações mais amplas.

O PT, contudo, se recusa a considerar as disponíveis, comportando-se como se Lula pudesse ser candidato. Ao tapar o sol com a peneira, o partido corre riscos enormes, adiando indefinidamente uma discussão que, cedo ou tarde, terá que enfrentar.

No interior do partido, impera um verdadeiro veto à discussão do tema, não se sabe ao certo se como parte de uma estratégia eleitoral ou se pela total subordinação dos interesses eleitorais do partido ao destino de Lula. Muito provavelmente pela incapacidade das lideranças do partido de separar as duas coisas. Mas, como lembrou o governador Camilo Santana, há mais do que Lula e a Presidência em jogo.

Santana não foi ouvido. A única resposta que obteve é a de que não será punido pelo atrevimento. Tem razão ao apontar que a sorte dos governadores do PT passa pelas alianças que o partido for capaz de forjar.

O tempo corre contra o PT. Lula tem votos e se comporta como se pudesse ser candidato, mas é líquido e certo que não concorrerá. Seus eleitores terão de migrar para as alternativas disponíveis. Fica por saber qual influência Lula e o PT terão sobre esses votos. Temer, que não os tem, foi realista e abandonou a corrida presidencial.
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Fernando Limongi é professor do DCP/USP e pesquisador do Cebrap.

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