terça-feira, 8 de maio de 2018

Marco Antonio Villa: Os senhores do Brasil

- O Globo

Nada indica que Congresso a ser eleito em 7 de outubro será melhor que o atual. Os interesses representados serão os mesmos

Tudo indica que a nefasta tradição brasileira de solucionar um conflito através da conciliação, desta vez, deve fracassar. Isto porque o Brasil não passa por uma crise política conjuntural. A questão é mais ampla e atinge a estrutura organizativa do Estado e do funcionamento das instituições. Não há nenhum paralelo com outros momentos da história republicana: 1889, 1930, 1964 ou 1984-1985 representaram disputas pelo poder de Estado mas que, simplesmente, permitiram um rearranjo relativamente rápido entre as diferentes frações da elite dominante. As forças do passado puderam obter algumas vantagens na nova ordem. O entendimento representou uma mudança porém sem que fosse possível a construção de uma nova institucionalidade efetivamente republicana.

O malogro da conciliação deverá ocorrer, pois as contradições estão de tal forma exacerbadas e o desgaste da estrutura legal edificada pela Constituição de 1988 chegou a tal ponto, que não há outro caminho a não ser reorganizar profundamente a República. A desmoralização das instituições é evidente. O processo de renovação é inviável, pois o sistema não permite nenhuma mudança estrutural. A petrificação de interesses classistas e corporativos produzidos pela “Constituição cidadã” manietou até a possibilidade da negociação. Qualquer alternativa gerada pelo atual arcabouço legal somente vai estender a agonia do regime. Sem solucionarmos a questão política, dificilmente teremos condições de, por exemplo, permitir uma sólida recuperação econômica. Se o dr. Pangloss estivesse no Brasil, até ele chegaria à conclusão de que não há motivo para otimismo.

O noticiário político está recheado de platitudes. Estamos a cinco meses da eleição e sequer sabemos quais os candidatos que postulam a Presidência da República. Sobre os programas, bem aí seria exigir demais. Um dos possíveis nomes, o ex-ministro do STF Joaquim Barbosa, é uma verdadeira esfinge. Os jornalistas procuram seus velhos tuítes para descobrir o que ele pensa. Ou seja, no Brasil tuíte é pensamento! Duzentos e oitenta caracteres são suficientes para expor uma ideia. Inacreditável! Fofocas pululam por toda parte. É uma comédia nonsense.

Os supostos candidatos percorrem o Brasil proclamando platitudes. Acabam tendo destaque. Afinal, não é fácil todo santo dia preencher as páginas dos jornais com noticiário político. Frente à pobreza das ideias, resta o diz que diz. O que é dito hoje é desmentido no dia seguinte. Balões de ensaios são lançados a toda hora. A maioria tem vida curta. O inimigo de hoje poderá ser o aliado de amanhã. Ideologia? Qual? Onde? No Brasil não há direita, centro ou esquerda. Há oportunismo. Só isso. Os conceitos políticos perdem seus sentidos originais. Aqui, os opostos são idênticos. E, se são idênticos, não são opostos, diria o Conselheiro Acácio.

A velha política ainda não compreendeu que o Brasil mudou. As grandes mobilizações que conduziram o processo do impeachment de Dilma Rousseff deram um protagonismo à sociedade civil como nunca na nossa história. O Brasil era o país do futebol. Hoje é o país da política. As pessoas comentam as decisões de Brasília como no passado falavam de um jogo de futebol. Sabem os nomes dos principais políticos e dos ministros do STF. Concordam, discordam, debatem as decisões que afetam o seu cotidiano e o futuro de suas famílias. A política deixou de ser uma coisa chata ou um tema afeito a poucos. E isto é muito bom.

Também deve ser destacado que a indignação em relação à política tradicional chegou ao ponto máximo. Ninguém mais suporta os conchavos brasilienses. A maligna Praça dos Três Poderes é o símbolo maior do antirrepublicanismo e da insatisfação popular. O desejo de mudança — mas de mudança real — nunca foi tão presente. O terrível é que a elite política faz ouvidos de mercador. Age como se fosse dona do Brasil, uma máfia tupiniquim, vendo na coisa pública a possibilidade de ascensão social ou de manutenção de status.

Nada indica que o Congresso Nacional a ser eleito 7 de outubro será melhor que o atual. Se haverá — como de hábito — uma sensível renovação de nomes — algo próximo a 40% —, os interesses representados serão os mesmos. E o domínio da velha política continuará intacto. Isto porque a forma de eleger os parlamentares não foi alterada. Com este sistema eleitoral, a mudança exigida pela sociedade civil é impossível. Há uma contradição antagônica entre o que o cidadão deseja e os instrumentos concedidos pelo sistema eleitoral. No máximo teremos a eleição de alguns parlamentares identificados com o quadro produzido nos últimos anos. Nada poderão fazer. Mesmo tendo boas intenções, vão ficar isolados. Pior. Servirão como exemplos de que a estrutura é reformável, o que é uma falácia.

Esta República vive seus estertores. Isto não significa que a crise final vá ocorrer amanhã. Este processo pode demorar. As grandes mudanças da história foram súbitas, imprevistas. Os agentes não conseguem ler a conjuntura com antecedência. E determinar o seu caminho. O imponderável é a marca da história. Quem, por exemplo, poderia prever o afluxo de pessoas às manifestações em todo o Brasil — especialmente em São Paulo, na Avenida Paulista — que ocorreram em 2015 e 2016? Havia um sentimento no ar de indignação que só se materializava em conversas ou nas redes sociais. Porém, quando o desejo de mudança foi às ruas, o Brasil assistiu às maiores manifestações da sua história. Mas uma coisa é certa: as eleições — pois teremos dois turnos — não vão solucionar a crise mais longa e profunda da história republicana.
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Marco Antonio Villa é historiador

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