sábado, 5 de maio de 2018

Míriam Leitão: Erro argentino

- O Globo

A Argentina cometeu o erro de deixar a inflação voltar e se estabelecer. O governo de Mauricio Macri até tentou, mas a taxa nunca baixou para níveis aceitáveis. Está, este ano, em 24%. Isso se tornou o ponto de fragilidade que a fez viver uma pressão forte no dólar esta semana. O Banco Central reagiu subindo três vezes a taxa de juros até chegar a 40% ao ano, para tentar segurar o câmbio.

Macri corrigiu muito dos erros que encontrou. A inflação mesmo manipulada no governo Cristina Kirchner, só ficou um ano abaixo de 20%, em 2009. A administração Kirchner fez uma intervenção no Indec, criou outro índice e ainda reprimiu tarifas públicas. Quando assumiu, Macri teve que corrigir o erro passado e a taxa chegou a 40%. Depois caiu, mas nunca abaixo de 20%.

Macri conseguiu também elevar as reservas cambiais que tinham sido dilapidadas pela sua antecessora. Ele recebeu o governo com US$ 25 bilhões e em janeiro estava com US$ 63,9 bilhões, mas esse nível baixou nos últimos dias. Com inflação alta e déficit fiscal é difícil enfrentar um momento de estresse internacional.

O dólar subiu quase 9% na quinta-feira, para 22 pesos, o maior nível desde a chegada de Macri à Casa Rosada, no final de 2015. O governo reagiu. Aumentou novamente os juros, a terceira alta em sete dias, desta vez para 40%. Na semana anterior, a taxa básica estava em 27,25%. Se comprometeu a reduzir o gasto público e cortou a meta de déficit fiscal do ano, de 3,2% do PIB para 2,7%. A terceira medida foi reduzir o volume de dólares que os bancos podem manter em reservas para forçá-los a vender a moeda americana.

Foi uma tempestade perfeita, conta à coluna o economista Dante Sica, da consultoria Abeceb, de Buenos Aires. A gota d’água veio das turbulências internacionais, provocadas por Donald Trump. Antes disso, a Argentina já enfrentava uma seca histórica que reduziu a geração de dólares pelo agronegócio. Na tentativa de impedir que a inflação mensal passe dos 2%, o governo vendeu dólares. Torrou US$ 7,3 bi das reservas desde janeiro. Fundos estrangeiros aproveitaram a oferta e aumentaram a demanda pela moeda estrangeira. A atuação vacilante do Banco Central nos últimos dias também contribuiu. Na sexta-feira anterior, havia aumentado os juros para 30,25%, tentando conter a inflação. Na quinta subiu outra vez os juros. Mesmo assim, o dólar disparou e por isso ontem as taxas foram para os 40%. A agência de classificação de rating Fitch piorou a perspectiva da dívida argentina citando a inflação alta e os desequilíbrios fiscais.

— Estou revisando as projeções. O PIB, que cresceria até 2,7% em 2018, deve ficar em 2,3%. A inflação pode fechar o ano em 24%. O governo foi mal na semana passada e teve que corrigir antes que houvesse uma reação. Não vi as pessoas saindo às ruas atrás de dólares. Na verdade, o que tem arranhado a imagem do governo é a inflação alta — conta Dante Sica.

Em 2017, a inflação ficou em 24,6%. O PIB subiu 2,9% e o ritmo estava acelerando, tanto que, no quarto trimestre, a alta anualizada foi de 3,9%. Para nós, esse crescimento foi bom. As exportações para lá saltaram 31% no ano passado, para US$ 17,6 bilhões. A balança foi positiva para o Brasil em US$ 8,1 bi, alta de 88% na comparação com o ano anterior. Em 2018, de janeiro a abril, as exportações cresceram mais 15%. No topo da lista estão automóveis, veículos de carga, tratores e chassis. Uma crise prolongada por lá acabaria por afetar a recuperação das montadoras brasileiras.

Dante Sica diz que o governo Macri é um “equilibrista de pratos”. Ele tenta melhorar os indicadores sem derrubar os outros. Mas o fato é que a Argentina convive há muito tempo com a inflação alta e com déficit fiscal, que no ano passado foi de 3,9% do PIB. Em 2016 havia sido de 4,6%. Além disso, a sociedade argentina busca proteção na moeda americana quando a incerteza aumenta.

Brasil e Argentina sofreram uma devastação inflacionária nas décadas de 1980 e 1990 até estabilizarem suas moedas. O Brasil reage fortemente em cada alta, como aconteceu em 2015, e traz a inflação para baixo. A Argentina aceitou um pouco mais de inflação e agora paga o preço. Este é um inimigo com o qual não se pode conviver.

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