segunda-feira, 28 de maio de 2018

Ricardo Rangel: Nocaute

- O Globo

Somos reféns de caminhoneiros e transportadores, e, cada vez que os interesses deles convergem, eles se unem para nos chantagear

‘Foi mal”, desculpou-se Rodrigo Maia ao se dar conta de que seu “erro de cálculo” causaria um prejuízo de R$ 9 bilhões além do esperado.

A comédia de erros que nos trouxe à greve, ao locaute e ao nocaute começou há 60 anos, quando Juscelino Kubitschek fez a opção preferencial pelo transporte rodoviário. Um país grande deve ter ferrovias; um país com muitos rios e litoral extenso deve ter hidrovias, mas nossa matriz de transporte conta com 64% de rodovias.

De JK para cá, ninguém fez nem faz nada para mudar isso. Somos reféns de caminhoneiros e transportadores, e, cada vez que os interesses dessas categorias convergem, elas se unem para nos chantagear.

Manifestantes (e até consumidores) pedem controle do preço do combustível. “Todo problema complexo tem uma solução simples — e errada”, disse H. L. Mencken. Hoje, o petróleo sobe no mundo, o combustível sobe na bomba, e a Petrobras prospera; antes, com o PT, o preço era controlado, e a Petrobras teve R$ 55 bilhões de prejuízo.

A intervenção estatal está na raiz do problema, por sinal. Dilma subsidiou caminhões, expandiu enormemente a frota, e derrubou o preço do frete. Interveio em outras áreas, provocou recessão, e o preço do frete caiu mais. Quando o petróleo subiu, o setor ficou com margens ínfimas e uma dívida impagável.

O governo ignorou a dificuldade por que o setor passava, veio a greve, e forte. Assustado, Pedro Parente reduziu o preço do diesel por 15 dias. O mercado, escaldado por mais de uma década de intervenção petista na empresa, reagiu rápido, e a ação caiu 14% (47 bilhões).

O país se aproximava do colapso, mas a preocupação dos parlamentares era voltar para seus estados, pois poderia faltar combustível para os aviões (os que têm seus próprios aviões, solidários, ofereceram carona aos colegas).

Eunício Oliveira achava que o problema era “do governo federal”, e embarcou para o Ceará. Ao chegar, descobriu que era seu também, e voltou para Brasília na mesma tarde para votar a isenção de PIS/Cofins aprovada por Rodrigo (desistiu quando soube do “erro de cálculo”).

Temer estava no Rio, tranquilo, entregando automóveis (deve estar na concessionária até hoje por falta de gasolina), e comentou que “o fato mais importante de hoje foi estar aqui com as senhoras e com os senhores”.

Eliseu Padilha capitulou: zerou a Cide e deu subsídio à Petrobras para manter a redução do preço por um mês. Fortalecido, o movimento prosseguiu. Irritado, Temer enfim reagiu, e conseguiu que a Justiça declarasse a greve ilegal, estipulasse multa de 100 mil por hora e expedisse algumas ordens de prisão. E chamou o Exército (há dúvida se haverá combustível para os blindados). Mas a greve não acabou — e agora os petroleiros avisam que se unirão aos caminhoneiros.

Tudo nessa história é ruim. O país é refém do setor de transportes (não há motivo para acreditar que isso vá mudar nem tão cedo). O monopólio estatal faz da Petrobras e do governo alvos fáceis. O Congresso é omisso, e Temer é fraco e negocia mal. Subsídio é retrocesso e mau precedente: atrapalha o ajuste fiscal, desequilibra a economia, estimula rodovias e poluição, e acaba recaindo sobre o consumidor. Os manifestantes são criminosamente irresponsáveis.

E o risco de convulsão social ainda não acabou.l

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