quarta-feira, 9 de maio de 2018

Rosângela Bittar: Porta-estandarte


- Valor Econômico

O grito de guerra e a oratória de carretilha de Ciro

Existe quem especule com uma provocativa porém não impossível chapa: Lula, candidato sub-judice, Ciro de vice, trazendo para a campanha a liberdade de estar e falar o que quiser enquanto o cabeça está preso, arrastando para o PDT o tempo de propaganda do PT. Não é uma miragem contra Ciro, ao contrário, pois se Lula não puder receber o troféu, o presidente será seu vice. Menos complicada, e em crescente articulação, está posta a chapa que alguns cientistas políticos consideram imbatível nesse quadro de pobreza franciscana do elenco eleitoral oferecido aos brasileiros neste 2018: Ciro e Fernando Haddad como vice, levando o dote do tempo de propaganda da televisão e a militância petista, hoje reduzida porém ainda viva.

A esse grupo poderia juntar-se agora o PSB, parte dele já lutava por isso, com a renúncia à candidatura, ontem, do ex-ministro Joaquim Barbosa. O PSB esteve sempre dividido entre a candidatura própria, Ciro e Marina. Carlos Siqueira, o presidente do partido, construiu com mão de ferro a candidatura Joaquim. Não sendo ele, o outro grupo majoritário do partido, o da aliança com Ciro ou Marina, prevalece. Como Ciro está melhor politicamente, é para ele que deve seguir a maioria.

Aí teríamos uma chapa PDT, PT e PSB, tendo sempre à frente Ciro Gomes, que já possui um residual de votos adquiridos em outras disputas. Do ponto de vista eleitoral, está tudo perfeito e é viável. Mas o diabo, para o eleitorado que precisa fazer escolhas, continua no detalhe. No caso é, simplesmente, o detalhe principal: qual o projeto político de Ciro Gomes? O que faria no governo? O que quer para o Brasil?

Ciro já entrou em três candidaturas, por diferentes partidos, e delas saiu sem que deixasse o eleitorado perceber qual seu projeto político real. O que se viu até agora foi só sua marca de temperamento, notável também fora dos período de campanha.

Sabe-se que ele tem um guru, Mangabeira Unger, professor em universidade americana, há anos, dado a estudos estratégicos mas com nenhuma conexão com a realidade brasileira. Unger chegou a ter cargo no governo por um tempo, depois saiu sem que suas ideias pudessem ser sistematizadas numa oferta de rumos. Hoje, Ciro teria mais um guru, esse conectado ao Brasil, mais precisamente ao Ceará, o economista Mauro Benevides, que estaria falando sobre projetos para a economia em seu nome. Ciro, porém, já fez uma declaração que vai dificultar o trabalho do filho do ex-deputado Mauro Benevides, de carreira política sólida até o fim, no eterno MDB cearense, que Ciro abomina. O candidato diz que vai acabar com tudo isto que foi feito pelo partido de Ulysses Guimarães no governo. O que vai colocar no lugar, só Deus sabe.

Os partidos pelos quais Ciro Gomes transitou foram meros porta-estandartes para levar adiante candidaturas ou, nos interregnos, a expectativa, manter acesa a chama da existência de uma vida política ali.

Em nenhum ficou claro o projeto de Brasil de Ciro Gomes. Quando mais se comprometeu com uma ideia, estava no Ministério da Integração e era o responsável, portanto, pela transposição do Rio São Francisco, grife de Lula.

Hoje, aos 61 anos, Ciro registra: estreia pelo PDS, ex-Arena, a partir do que começou sua inquietude. Mudou para PMDB, depois PSDB com Tasso Jereissati, passando a integrar um grupo da nova política que afastou os coronéis cearenses do poder de mando. Por esse esquema elegeu-se prefeito de Fortaleza e governador do Ceará. Foi candidato da indústria do Ceará, portanto, na fase de tomada de poder dos coronéis, mas o partido não ganhou lastro ideológico, não foi centro-direita, liberal ou social democrata. Era o partido do Tasso e do Ciro, tendo como marqueteiro o humorista Tom Cavalcante, animador bem sucedido de seus comícios.

Sem substrato ideológico para sustentar a jornada, começaram as sucessivas migrações. Alfinetando o grupo do PSDB paulista, comprou uma rivalidade com os maiores nomes da política paulista, muitas vezes personificando seus ataques mais duros em Fernando Henrique Cardoso e José Serra.

Em 1998, pegou o estandarte do PPS e saiu por aí na sua primeira candidatura presidencial, encantando a plateia e conquistando um terceiro lugar, com 10%, atrás de Fernando Henrique e de Lula. Pulou para o PDT, de onde lançou sua segunda candidatura presidencial, ficando em 4º lugar com 12%, depois de Lula, Serra, Garotinho.

Em 2006 elegeu-se deputado federal, já no PSB, e participou dos governos petistas. De Lula, em cargo de destaque, da Dilma, mais que ministro, um consultor sempre ouvido e respeitado. Em 2010, ainda no PSB, que decidiu apoiar Dilma para presidente, recebeu a oferta de uma candidatura por São Paulo, tentando plantar raízes no seu Estado de nascimento e no Estado de domínio político daqueles por quem nutria aversão. Como o projeto não se concretizou, voltou seu domicílio eleitoral para o Nordeste e apoiou o governo Dilma.

O estandarte mais esdrúxulo ocorreu em 2014, com a filiação ao Pros, um partido surgido do nada em direção a coisa alguma, claramente uma encomenda para a candidatura Ciro que ficou impossível no PSB por causa da força de Eduardo Campos, que queria ser ele mesmo o candidato. Morreu em campanha.

Do Pros saiu rápido, percebeu a roubada, abrigando-se de volta no PDT para negociar sua terceira candidatura à Presidência, em 2018.

Residente no Rio por um longo período, em razão de laços afetivos, Ciro percebeu que, já naquela época e muito mais agora, o Rio, politicamente estava e está abandonado. Tendo sua base sólida no Ceará, e vindo de uma campanha renhida nas redes sociais há muito tempo, centrou no Rio sua campanha neste momento, capital e interior. É e sempre foi apoiado por artistas e grupos da esquerda, alem de bafejado pela midia. Muito embora não possa ser visto como um integrante da esquerda, como tanto gostaria. Além do discurso agressivo e insultuoso, nada demonstrou concretamente seus desígnios para uma marca política mais característica.

Obstinado, persegue a Presidência. Ciro levanta o estandarte e dá o grito de guerra, com sua oratória de carretilha. Quem quiser que o siga. Quem sabe não será desta vez?

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