quarta-feira, 2 de maio de 2018

Vinicius Torres Freire: Temer e o pós-morte da esquerda

- Folha de S. Paulo

Derrotas do presidente e economia lerda podem animar ideias de contrarreforma

As derrotas de Michel Temer talvez não incentivem a ressuscitação de programas de esquerda, pelo menos não aquele do PT pós-2010. Afinal, Dilma Rousseff envenenou ou matou e esquartejou tais ideias, além de tentar ocultar os cadáveres com o estelionato eleitoral da virada de 2014 para 2015.

Mas há revolta bastante para tornar atraente alguma espécie de contrarreforma, um contra-ataque ao programa econômico que chegou ao poder com a deposição de Dilma Rousseff.

De menos incerto, se pode dizer que a ruína da esquerda de 2014 e o fracasso de estima do programa liberal de 2016 dificultam a invenção de planos alternativos para a campanha eleitoral e para o governo de 2019. Faltam ideias que sejam tanto palatáveis quanto razoáveis.

O mal-estar na recuperação econômica é o mais recente revés do bloco de poder Temer-Ponte para o Futuro, ora quase desfeito. O problema vem de longe e é maior, porém.

Já em março do ano passado, o Congresso Nacional voltava das férias avesso à ideia de aprovar o pacote amplo de reformas liberais, em particular a da Previdência. Deputados sentiram a fúria com a crise, com as reformas e com o presidente. Não viam futuro eleitoral no combo Temer-reformismo.

Desde 2016, dois terços dos eleitores queriam eleger logo um novo presidente, em votação direta. No fim de abril de 2017, uma greve que, se não foi geral, foi “pop”, ajudou a difundir o sentimento antirreformas. Pesquisa Datafolha mostrava então que 85% queriam diretas.

O vazamento do grampo (maio) e a vitória de Pirro no TSE (junho) exauriram Temer. Seu desprestígio pestilencial contaminou de vez a ideia de reforma liberal, que por sua vez já era um motivo de seu desprestígio (dois terços do eleitorado eram então contra a mudança na Previdência).

A recuperação lenta da economia não teria muito apelo a não ser para o terço mais rico da população, se tanto. Retardada, como agora, alimenta mais desconfiança do programa reformista ou de políticos adeptos.

O Congresso derruba projetos do governo, aprova pautas-bombinhas e barra reformas. A lei do cadastro positivo tropeça e cai na boca do povo, causando entre desconfiança e raiva, mesmo contra bancos, que nem fazem força pela mudança, se não o contrário.

É por enquanto impossível dizer se o crescimento deste ano vai chegar ou não perto de 3%, como previsto. Ficando longe, porém, o fracasso vai fazer com que parte da elite pense em alternativa ao plano liberal estrito. Já se ouve rumor disso por aí, velharias.

Seja quem for o eleito, os problemas cruciais são incontornáveis. Será necessária uma mistura de controle duro de gastos com aumento de impostos, no curto prazo. A despesa da Previdência continuará explosiva e, sem algum plano para o longo prazo, o presente será prejudicado. É um caso de cruz e caldeirinha.

Lula da Silva começou a governar em 2003 um país que vinha de crises ruins e não crescia. Manteve a política econômica arrochada, mas tinha crédito com o povo, esperançoso com mudanças.


Decerto Lula não teve de lidar com crise tão catastrófica como a de 2014-17 nem com reformas que afetam o íntimo da vida econômica cotidiana do povo. Ainda assim, o exemplo indica que não seria impossível, em tese, inventar um programa que driblasse a rejeição popular a algum tipo de reforma e que indicasse um fim para a travessia do deserto, talvez com atenuantes pelo meio do caminho.

Em tese.

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