segunda-feira, 4 de junho de 2018

Centrão avança e reduz peso de partidos maiores

Fragmentação pode dificultar governabilidade

Cai a fatia de MDB, PT, PSDB e PP no total de filiados a legendas. Com pulverização de siglas, há mais apetite por cargos

A participação dos quatro maiores partidos do país no número total de filiados caiu 17% desde 2002, de acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). MDB, PT, PSDB e PP têm, juntos, 41% da fatia de eleitores que estão associados a alguma legenda. Essas siglas perderam espaço para as legendas que surgiram entre 2002 e 2018, como PRB, PSD, PROS e Solidariedade. A queda de influência também aconteceu na Câmara dos Deputados, abrindo caminho para o fortalecimento de partidos do centrão, em um cenário que pode dificultar a governabilidade do próximo presidente da República.

Um bolo mais dividido

Peso de MDB, PT, PSDB e PP na quantidade total de filiados a partidos cai 17% desde 2002

Daniel Salgado e Marco Grillo | O Globo

A criação de novos partidos e o desgaste de siglas tradicionais, envolvidas em casos de corrupção nos últimos anos, reduziram o peso das quatro principais legendas do país no número total de eleitores filiados. Dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) compilados pelo GLOBO mostram que, em 2002, MDB, PT, PSDB e PP tinham 49,5% do total de filiados — o que representava 5,5 milhões de um total de 11,1 milhões à época. Hoje, quando o número de simpatizantes registrados chegou a 16,8 milhões, a participação dos quatro partidos no montante é de 41%, o que representa uma queda de 17% nesse período de 16 anos.

A fragmentação ocorreu também na Câmara dos Deputados, indicando um cenário que pode se tornar ainda mais complexo para a governabilidade do presidente da República que será eleito em outubro. Para o chefe do Executivo, é mais difícil costurar acordos para votações importantes quando há mais partidos — e mais apetite por cargos, que costumam ser distribuídos a filiados — na mesa.

Na eleição de 2002, MDB, PT, PSDB e PP elegeram 285 parlamentares; hoje, as quatro legendas têm, juntas, 208 deputados.

Entre os filiados, o espaço perdido foi ocupado, em parte, por outras quatro legendas que surgiram no período: PRB (criado em 2006), PSD (em 2011), PROS e Solidariedade (ambos em 2013) têm hoje pouco mais de um milhão de eleitores registrados, o equivalente a 6% do total e mais de R$ 200 milhões de fundos públicos. As quatro legendas integram o centrão, bloco que já demonstrou força na Câmara ao apoiar a eleição de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) à presidência da casa, em 2015, e ao barrar o andamento as duas denúncias que a Procuradoria-Geral da República (PGR) apresentou contra o presidente Michel Temer no ano passado.

INFIDELIDADE PARTIDÁRIA
O surgimento de novas legendas foi impulsionado por uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a fidelidade partidária, tomada na década passada. O entendimento que passou a vigorar instituiu a perda de mandato para os parlamentares que decidissem mudar de partido. Não havia restrição, no entanto, para a migração a legendas recém-criadas.

— Em 2007, o TSE diz, e o Supremo confirma que, quando o sujeito muda de partido, ele perde mandato. Foi criada uma exceção, que se tornou uma válvula de escape, que é a criação de novos partidos. Isso caiu em 2017 e mudou. Mas, até então, era a regra: são dez anos em que os candidatos insatisfeitos com o seu partido poderiam mudar para novas legendas, além do incentivo do fundo partidário — avalia o cientista político Michael Mohallem, professor da FGV Direito Rio.

A possibilidade de controlar verbas públicas — primeiro, do fundo partidário, e agora também do fundo eleitoral — foi outro fator de atração. Para a eleição de 2018, cerca de R$ 1,7 bilhão do Fundo Eleitoral será distribuído para as 35 legendas que existem no país, de acordo com critérios definidos em lei. MDB, PT, PSDB e PP ficarão com cerca de R$ 755 milhões, enquanto PRB, PSD, PROS e Solidariedade vão ficar com cerca de R$ 237 milhões. A fragmentação se reflete de outras maneiras no orçamento público: distribuição de emendas parlamentares e cargos para administrar a governabilidade.

— Agora, há uma série de partidos com um alinhamento que tem de ser construído a cada votação. Eles só se alinham com o governo esporadicamente. Percebeu-se que essa é uma estratégia vitoriosa, do ponto de vista fisiológico. A consequência desse sucesso, não para a democracia, mas para essas legendas, é a pulverização partidária Brasil afora — argumenta Mohallem. — É um grande momento de fragmentação. Até então, já existiam partidos que oscilavam nessa órbita de governo e oposição, com o MDB sendo sempre o fiel dessa balança. E essa balança geralmente pendia para o lado do governo, o que tornava a governabilidade possível, claro que com o custo político disso.

Para a cientista política Márcia Ribeiro Dias, o caráter fisiológico do centrão explica o crescimento das bancadas e dos filiados dos partidos que compõem o bloco. Ao promoverem uma “descentralização” da lógica partidária, antes dominada em nível nacional, principalmente por PT e PSDB, outras legendas captaram lideranças e, assim, parte da militância.

— Isso está muito relacionado ao declínio dos partidos grandes no imaginário popular, com a decepção em relação ao desempenho dessas legendas, em especial o PT. Outros partidos se beneficiaram, como se trouxessem uma ideia de novidade, de uma política diferenciada. É o caso do (Marcelo) Crivella no Rio, por exemplo — explica a professora de Ciência Política Marcia Ribeiro Dias, da Unirio, fazendo uma referência ao prefeito do Rio.

MDB: CAPILARIDADE E ESTRUTURA FORTE
Analisando os números do TSE desde 2002, nota-se que o MDB perdeu filiados até 2009, quando começou a se recuperar até chegar aos cerca de 2,4 milhões de simpatizantes que tem hoje. O partido lidera com folga a lista, seguido pelo PT, com 1,5 milhão de filiados, e PSDB, com 1,4 milhão. Para Márcia Ribeiro Dias, a formalização da aliança entre MDB e PT e a popularidade que o governo petista alcançou com Luiz Inácio Lula da Silva na Presidência ajudaram a impulsionar os números emedebistas.

— O MDB não era o principal aliado do PT no começo dos anos 2000, ainda que fosse da base. Só ao assumir a vice-presidência em 2010 (com Michel Temer), o partido assume poder de barganha, e isso faz toda a diferença. O PT havia tirado força do MDB nos municípios, o que é um dos pontos fortes do partido, e ele consegue retomar isso progressivamente desde o momento em que passa a ter mais poder de negociação. Em 2016, um momento chave, o PT declina completamente ficando só com uma prefeitura de capital, enquanto o MDB se recupera — avalia a professora de Ciência Política.

Márcia Ribeiro diz também que o caráter multifacetado do MDB, partido que muitas vezes abriga nomes com pensamentos antagônicos, permitiu ao partido receber muitos filiados.

— O MDB não tem vocação majoritária para a Presidência, não tem lideranças tão fortes em cargo majoritários. Mas, no Legislativo federal, é muito forte. Com suas divisões internas, o MDB é um partido muito conveniente para adesão — explica a professora da Unirio.

O cientista político João Branco, professor da ESPM-Rio, destaca a capacidade que o partido tem de estar presente em muitas cidades:

— O MDB herdou a estrutura partidária do antigo MDB/PMDB, que era oposição na ditadura. Já na redemocratização, ele tem esse ativo, a capilaridade no Brasil, em quase todos os municípios. Carrega essa estrutura desde então.

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