sexta-feira, 29 de junho de 2018

Claudia Safatle: Em busca da receita do crescimento

- Valor Econômico

O país experimenta caminhos que não o equilíbrio fiscal

Há 35 anos, desembarcou em Brasília a economista Ana Maria Jul, chefiando a missão técnica do Fundo Monetário Internacional (FMI). O Brasil havia quebrado, das reservas cambiais contavam-se as moedinhas, e o governo brasileiro buscou ajuda junto ao emprestador de última instância, o FMI. Dentre os compromissos firmados naquele acordo constava a meta de redução da necessidade de financiamento do setor público de 13,8% do PIB em 1982 para 7,9% do PIB em 1983 e para níveis bem mais baixos no período do acordo de três anos. Essa era a medida do déficit nominal.

Começava, ali, a percepção de que o gasto público precisava de maior controle e transparência.

A inflação deveria cair dos 100% em 1982 para 70% em 1983 e 40% em 1984, conforme previa o acordo. Os técnicos do fundo insistiram na desindexação dos salários que acabaram sendo reajustados com base em 80% da inflação.

Havia, também, um forte ajuste a ser feito nas contas externas do país. Poucas semanas após a assinatura da carta de intenções junto ao FMI, o governo fez a maxidesvalorização de 30% do cruzeiro em relação ao dólar. No ajuste, o déficit em conta corrente caiu de US$ 16 bilhões para R$ 94 milhões entre 1982 e 1984, mas a inflação não deu trégua. O FMI queria mais controle monetário e mais de corte das despesas públicas.

A primeira carta foi um fracasso e outra dezena de tentativas foram escritas. O objetivo final dos programas de negociados com o fundo monetário era reconstruir as condições de pagamento aos credores externos.

Antes da negociação com o FMI, no início de 1980, o então ministro Delfim Netto anunciou a prefixação da correção monetária em 45% e da taxa de câmbio em 40% durante o ano. Mas a inflação permaneceu nos três dígitos.

Entre pedidos de perdão pelo descumprimento das metas e renegociações, o governo brasileiro foi obtendo, junto ao fundo monetário, mudanças metodológicas para as contas públicas até chegar ao resultado primário que vigora hoje e que expurga as despesas com os juros da dívida pública.

Com o fim do regime militar e a ascensão de José Sarney à Presidência da República, os brasileiros passaram a conviver com uma inflação elevadíssima e uma sequência de planos econômicos heterodoxos que congelavam os preços, criavam gatilho para reajustes salariais e testavam, em vão, várias alternativas de política econômica, inclusive o confisco da poupança do Plano Collor.

Em 1994, no governo Itamar Franco, o ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso comandou a equipe de economistas, os mesmos que elaboraram o Cruzado, que concebeu o bem-sucedido Plano Real, que derrubou a inflação de 2.477,15% em 1993 para patamares mais civilizados, de um dígito. Atualmente, sob o regime de metas para a inflação, o IPCA está na casa dos 3%.

O Real, ancorado na taxa de câmbio, descuidou das contas públicas até que, em 1998, o governo de FHC teve que recorrer ao FMI, reiniciando os acordos que terminaram em 2006, quando o então presidente Lula quitou a dívida com o Fundo.

A partir do segundo mandato de FHC, sob acordo com o FMI, deu-se curso a uma política de austeridade. O esforço fiscal foi excepcional para sair de um déficit de 0,87% do PIB em 1997 e chegar a um superávit primário de 2,86% do PIB em 1999.

Por dez anos, até 2008, o país manteve a política de superávits primários das contas públicas da ordem de 3% do PIB e obteve um crescimento médio de 3,45% do PIB. A partir daí os superávits começaram a decrescer até se transformarem em déficit em 2014, situação que perdura hoje. A expansão média do PIB 2009 a 2017 foi de 1,20%. É certo que o "boom" das commodities ajudou bastante a atividade econômica durante o periodo de Lula. Mas sabe-se que esses surtos são passageiros.

O déficit primário atingiu o ápice em 2016, ano em que a então presidente da República Dilma Rousseff foi afastada do governo com a aprovação do seu impeachment em agosto. O governo Dilma, além das pedaladas. testou alternativas de política econômica que não o tripé de FHC, representado pelo superávit primário, câmbio flutuante e metas de inflação. Instituiu um programa desenvolvimentista conhecido como "nova matriz econômica". Ela ignorou os limites do gasto público e quase levou o Estado brasileiro à insolvência, deixando contratada uma recessão profunda e prolongada. De superavitária a União passou a viver de mais endividamento.

Dilma deixou de herança déficit primário de 2,49% do PIB e R$ 4,3 trilhões de dívida bruta do governo geral, equivalente a 69,95% do PIB. Hoje a dívida é de R% 5,04 trilhões, o que corresponde a 76,02% do PIB, segundo dados de abril do Banco Central.

Receitas crescentes com impostos ajudaram os governos a cumprir metas de superávit fiscal. As despesas, porém, assumiram trajetória de crescimento mais rápido, lideradas pela Previdência Social que consumiu, no ano passado, 57% dos gastos totais.

Nos últimos 35 anos o país testou várias políticas econômicas em busca do crescimento. Do congelamento de preços ao confisco da poupança, houve uma longa lista de experimentos.

Os erros e acertos, porém, não foram suficientes para criar uma consciência na classe política de que a boa gestão das finanças públicas é crucial para a estabilidade e, inclusive, para o bom desempenho das políticas de combate à desigualdade. Equilíbrio fiscal não deve ser um objetivo passageiro.

Ricardo Lagos, socialista, presidente do Chile de 2000 a 2006, disse ao assumir que seria rigoroso na política fiscal para poder ser ousado nas políticas sociais.

Ana Maria Jul, que era a expressão da austeridade com sua pasta preta e tailleur singelo, virou musa do carnaval no bloco do irreverente Pacotão, criado por jornalistas de Brasília para satirizar os Três Poderes.

A política fiscal, nessas três décadas, foi do déficit ao superávit e, novamente, para o déficit. O presidente Temer conseguiu a aprovação da PEC do teto do gasto público, iniciativa relevante para retomar a confiança no governo. Para cumprir o teto do gasto será imperativo aprovar a reforma da Previdência. Mas não só ela. A política fiscal responsável é, provavelmente, um ingrediente básico da receita do crescimento.

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