domingo, 17 de junho de 2018

Merval Pereira: E se o Brasil for campeão?

- O Globo

Como se vê, até mesmo os algoritmos sabem que o Brasil é franco favorito

Se o Flamengo for campeão brasileiro e a seleção, do mundo, “até o Temer se reelege”. A frase retumbante me foi dita pelo produtor Luiz Carlos Barreto, flamenguista doente, que teme essa mistura de resultados. Não deveria, pois já é consabido que o futebol não dá voto a ninguém, embora os políticos cismem de se aproveitar dele.

O próprio Temer tentou melhorar sua popularidade, que está no chão, fazendo uma gravação para a TV completamente inócua sobre a Copa do Mundo, que começa hoje na Rússia para nós. Já Putin tira proveitos políticos da realização da Copa, que alimenta o sonho dos russos de voltarem a ser protagonistas no cenário mundial.

Para tanto, o ex-KGB nem precisa que sua seleção de futebol vá muito longe; se passarem da fase de grupos já estão no lucro. Para uma autocracia que não passa de um simulacro de democracia representativa, Putin ter sido aplaudido em grande estilo no jogo inaugural da Copa foi um ganho político relevante, confirmação de que sua política de dar dimensão global a eventos que a Rússia protagoniza, pelo menos como organização, traz bons frutos na popularidade.

Não à toa, ele não foi vaiado, diferentemente da então presidente brasileira Dilma Rousseff na Copa de 2014. A favor do Brasil, somos uma democracia consolidada, e ninguém pensou em punir os que vaiaram a presidente; por outro lado, vaiar Putin em público, na Rússia de hoje, é um risco.

Mas ninguém também foi obrigado a aplaudilo e a balançar a bandeira russa com orgulho. A autocracia de Putin não chega ao extremo da ditadura da Coreia do Norte, que obriga seus cidadãos a chorarem em público a morte do ditador da vez, como ocorreu com o pai de Kim Jong-un.

Até o presidente da Fifa, Gianni Infantino, teve seus 15 minutos de glória, aplaudido após falar umas poucas palavras em russo; foi o contrário de seu antecessor, Joseph Blatter, que teve a infeliz ideia de dar uma bronca na torcida pela vaia em Dilma e assim também teve que se calar. Uma coincidência: tanto Dilma quanto Blatter perderam seus cargos depois de 2014.

É estranho que, no Brasil, os resultados do futebol sirvam para eleger jogadores como o senador Romário ou o deputado Bebeto, mas não ajudem o presidente. Mesmo na ditadura, os governantes se dobraram à tentação de tentar tirar proveito da seleção: Médici, que gostava realmente de futebol, interferiu para que Dario fosse convocado e Saldanha deixasse de ser o técnico do time vitorioso de 1970, e Geisel, que não gostava, tentou convencer Pelé a voltar à seleção em 1974.

Na redemocratização, nunca as vitórias ou derrotas da seleção influíram nos resultados eleitorais. Em 1994, com direito a cambalhota de Vampeta na rampa do Palácio do Planalto e beijo na taça de Fernando Henrique Cardoso, então candidato, o Plano Real teve muito mais a ver com sua eleição do que a vitória nos EUA.

Em 1998, mesmo com derrota, o Plano Real voltou a ser o responsável pela reeleição. Em 2002, o time de Felipão trouxe o penta, mas José Serra, o candidato governista, perdeu para Lula. De lá para cá, nem mesmo a derrota em casa em 2014, com a humilhação dos 7 a 1 e tudo, impediu que a então presidente Dilma fosse vitoriosa. Lula se reelegeu em 2006 e elegeu Dilma em 2010, apesar das derrotas brasileiras.

Em todos os anos de Copa, o banco de investimentos Goldman Sachs faz uma pesquisa sobre as chances de cada seleção, e este ano o Brasil é o franco favorito pelas métricas adotadas. Tem jogadores talentosos, um bom balanço entre perdas e ganhos e o melhor índice ELO, que é uma medição utilizada em vários esportes, método estatístico para calcular a força relativa entre os jogadores.

Os estudos da Goldman Sachs apontam uma final entre Brasil e Alemanha, com vitória nossa. Eles admitem, porem, que a graça do futebol é ser imprevisível, com elementos que não cabem em um programa de computação. Como se vê, até mesmo os algoritmos sabem que o Brasil é franco favorito, mas também sabem que o temor de Barretão é injustificável. Não há elementos estocásticos que façam Temer recuperar sua popularidade.

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