sexta-feira, 1 de junho de 2018

Rogério Furquim Werneck: Retrocesso populista

- O Estado de S. Paulo

Governo está impotente diante da chantagem imposta à sociedade, pronto a sacrificar avanços na política econômica

Levará algum tempo até que se possa ter compreensão clara do vertiginoso retrocesso por que passou a condução da política econômica no país, em menos de dez dias, a partir da segunda-feira, 21 de maio. Mas na história completa desse desastre não poderá faltar a constatação de que atores políticos importantes já vinham desfraldando bandeiras populistas desde a semana anterior.

Já no início da tarde da sexta-feira, 18, a Agência Estado reportava que o ministro de Minas e Energia, Wellington Moreira Franco, se permitira declarar que era preciso repensar a política de preços de combustíveis. Não foi uma manifestação isolada. Na manhã da segunda-feira, 21, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, cumprindo o que adiantara na véspera pelo Twitter, anunciou, em conjunto com o presidente do Senado, Eunício Oliveira, a criação de uma comissão geral do Congresso para debater “as sucessivas elevações de preços de combustíveis” (Agência Estado). No mesmo dia em que os protestos de caminhoneiros começaram a ganhar corpo país afora.

Tais fatos deixam mais do que claro que, tendo em vista a estreita ligação de Moreira Franco com o Planalto e a patente insegurança do presidente com o Congresso, a equipe econômica e a Petrobras estavam fadadas a entrar totalmente “vendidas” no jogo pesado que teve lugar na semana passada. Sem chance de contar com o respaldo do Planalto.

Quaisquer que possam ter sido suas intenções, ao se dispor a reabrir a caisam xa de Pandora da política de preços de combustíveis, o governo logo perdeu controle da situação. Começou a semana acuado e terminou-a rendido.

Ainda é cedo para se avaliar com nitidez a real extensão do retrocesso populista em curso. Mas uma avaliação preliminar já revela uma perda devastadora de credibilidade da mudança do regime fiscal. A reconstrução da Petrobras, fundada na institucionalização de uma política clara, coerente e duradoura de preços de derivados, era um dos pilares da credibilidade dessa mudança.

Tal política estava bem fundamentada na lógica de formação de preços de bens transacionados internacionalmente em uma economia aberta. Na ideia de que preços internos de derivados devem estar alinhados a preços externos. Exatamente como ocorre com outras commodities, como trigo, soja, alumínio ou celulose. Como derivados podem ser importados ou exportados, esse alinhamento tem a dupla virtude de gerar preços que dão a quem demanda tais produtos noção correta do que sua decisão custa à economia, e de manter o poder de mercado da Petrobras sob controle.

Mas os caminhoneiros estão convencidos de que fazem jus a um subsídio. E o curioso é que querem que o diesel seja subsidiado para que posamenizar as agruras que agora enfrentam, em decorrência de outro programa de subsídio: o generoso financiamento subsidiado de caminhões promovido pelo BNDES, durante o governo passado, por insistência das montadoras. Combinada à recessão, a expansão excessiva da frota deprimiu fretes. E muitos caminhoneiros vêm enfrentando dificuldades para pagar os caminhões que adquiriram a prazo.

Esse problema de excesso de oferta só será resolvido com a retomada do crescimento da economia. Subsídio não é a solução. E torna a retomada mais difícil. Nas atuais condições, o mais provável é que a concorrência acirrada entre os caminhoneiros faça com que o subsídio ao diesel acabe em boa parte repassado aos demandantes de serviços de transporte rodoviário, não obstante a absurda tabela de preços mínimos de frete exigida pelos grevistas.

Seja como for, o que agora se vê é um governo fragilizado, impotente diante da chantagem que foi imposta à sociedade, pronto a sacrificar avanços de grande importância na condução da política econômica, para conceder subsídios indefensáveis, em meio ao alarmante quadro fiscal que enfrenta o país. Subsídios que, só em 2018, deverão montar a cerca de R$ 14 bilhões.

O que ainda não se sabe é que novas pilhagens sofrerão o Tesouro e o país, nos próximos meses, na esteira do sucesso que tiveram os caminhoneiros.

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Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio

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