quarta-feira, 20 de junho de 2018

Rosângela Bittar: Toffoli governará com o colegiado

- Valor Econômico

Existem várias divisões no STF, se olhar além da Lava-Jato

É como implicar com a modelagem feita por especialistas no cabelo do Neymar: aquelas ondas descoloridas na ponta não lhe tiram um pingo da força do chute, ao contrário, não se pode negar que ficou bonito, além do fato de que os brasileiros gostam de parecer os louros europeus do "football". Não se deve valorizar em demasia o currículo do ministro Antonio Dias Toffoli, o que se faz para depreciá-lo, enfatizando, como se tem feito desde que assumiu uma cadeira do Supremo Tribunal Federal, à exaustão, o fato de ter sido reprovado em dois concursos públicos.

Isso é o passado. O presente é que o ministro está no lugar certo na hora certa: em setembro assumirá a presidência do STF, para onde foi indicado pelo governo, sabatinado pelo Senado e nomeado por Lula. Seu direito de presidir um Poder da República está intacto e, como tal, pode ser o terceiro na linha sucessória do presidente da República.

Toffoli tem se abrigado muito bem no silêncio. Não quer sentar-se na cadeira de presidente do STF antes da hora pois, apesar de ser sua por convenção e estatuto, a liderança da Corte tem que passar por alguns formalismos, como uma eleição com votos dos ministros.

Faltam menos de três meses para assumir o cargo que lhe cabe por rodízio, sendo vice-presidente, mas se recusa a antecipar planos, opiniões, considerações ou mudanças que imprimirá ao funcionamento da Corte. "Vice não fala, vice não opina, vice tem apenas que ter juízo", diz, para recusar entrevista. Discrição que vem administrando há mais de um ano, e bem pois não se ouvem controvérsias em torno de suas opiniões mundanas, fora dos artigos e incisos.

É difícil, mas não foi impossível, reunir fragmentos de conversas prospectivas com colegas e auxiliares em que já deixou antever um pouco mais do que pensa sobre o funcionamento do Supremo.

Assim, se sabe que Toffoli prepara uma mudança de mecanismos e procedimentos que, sendo aparentemente superficiais e meramente administrativos, podem se revelar inovadores.

Gostaria, por exemplo, que o STF funcionasse como um colegiado mesmo, abolindo decisões de cima para baixo, de seu presidente, para tomar caminhos que todos achem adequados.

Isso significa, por exemplo, que não terão mais lugar na Corte os pitos que o ministro Luís Roberto Barroso tem dado aos seus pares, como acabou de fazer no caso de seu voto vencido na questão da condução coercitiva. A pretexto de defender a Lava-Jato, Barroso explicou a decisão da Corte como sendo uma "manifestação simbólica daqueles que são contra o aprofundamento das investigações". Para, em seguida, acrescentar o oposto sobre a mesma decisão: "A condução coercitiva era uma nota de pé de página nesse contexto, portanto não acho que essa mudança seja relevante Acho que foi mais uma manifestação simbólica daqueles que são contra o aprofundamento das investigações", disse durante o seminário "E agora, Brasil?", realizado por "O Globo". E a alfinetada, conclusiva, segundo reportagem de Marcos Grillo e Miguel Caballero: "Essa votação teve só um papel simbólico que, por seis votos a cinco, de certa forma, se enviou uma mensagem de menos apoio a esse processo de transformação do Brasil".

Ou seja, em minoria, desta vez, uma raridade nos últimos tempos, Barroso inconformou-se e desancou a maioria, a seu ver, conservadora.

Com tão notória divisão será um pandemônio a administração da Corte pelo sistema colegiado. O futuro presidente Dias Toffoli, quando precisou definir-se sobre o desequilíbrio entre as duas forças do STF, recusou a existência do racha. Ao responder dias desses sobre de que lado se colocava entre os dois times o ministro driblou a casca de banana. Disse que a divisão não existe.

Isso é culpa da especulação de quem? Da imprensa! A tese de Toffoli é que há quatro anos a imprensa só tem olhos para a Lava-Jato, e só reporta a convicção dos ministros nas decisões sobre a operação de combate à corrupção. Mas existem muitas outras questões, sociais, econômicas, tributárias, em que os grupos se recompõem de forma diferente do que ocorre nos processo da Lava-Jato. Portanto, não existiriam dois blocos monolíticos, mas vários, agregados de uma forma a depender dos processos. Se a análise for do ponto de vista tributário e econômico, então, aí mesmo é que cada votação é diferente da outra. Nesses casos daria para notar não o sal e o açúcar do julgamento politizado, mas decisões com filosofias jurídicas diferentes nos aspectos penal, tributário, econômico.

Há pouco tempo, é o exemplo que vem sendo dado contra a existência da divisão, houve uma votação sobre reforma trabalhista e os aliados incondicionais na Lava-Jato, Edson Fachin e Roberto Barroso, foram cada um para um lado.

Isso quer dizer que é possível a presidência colegiada, uma espécie de Supremo Coletivo. Que seria o modelo adequado para fazer as tarefas básicas que é preciso vencer: decidir a pauta, crucial no STF, dar maior eficiência aos julgamentos e reduzir os estoques de processos.

Caricatura
Todo mundo pode tudo quando resolve, em determinado momento da vida, jogar as convenções para o alto. Mas há sempre um limite para não ficar mal falado, o do bom-senso. A pretexto de transmitir reivindicações da tropa, o general Villas Boas, Comandante do Exército, chamou os candidatos a presidente da República ao seu gabinete para uma entrevista, um lobby ou seja lá o que pretendia dos encontros com os políticos que para lá correram. Representar a corporação e entregar os desejos da soldadesca é a melhor das hipóteses para explicar tal iniciativa. Para doutrinar ou para qualquer outra coisa, é um desses tipos de comportamento que extrapolam esses limites. Se quer camuflar uma reunião com Bolsonaro, que os militares consideravam uma "caricatura" até há pouco tempo e agora estão vendo que é para valer, tendo viabilidade eleitoral, é melhor não procurar desculpa.

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