quinta-feira, 21 de junho de 2018

Vinicius Torres Freire: Ansiedade com dólar e depressão

- Folha de S. Paulo

BC não mexeu nos juros, mas pressões de mercado e da política podem sufocar economia

Quase não se oferece trabalho decente. O número de empregos com carteira assinada cresce a menos de 1% ao ano. O nível de utilização da capacidade da indústria é o menor em duas décadas, ao menos. A taxa de desemprego mal se move, na prática, desde fins de 2017.

O crescimento da renda (PIB) per capita não deve passar de 1,5% em dois anos (2017-2018), isso depois da segunda pior recessão desde o começo do século 20.

Neste país se discute um aumento da taxa básica de juros, da Selic. Mas o Banco Central não buliu com os juros na reunião desta quarta-feira (20), como desejavam alguns negociantes de dinheiro, do "mercado", e economistas ortodoxos, porém esquisitos.

A hipótese de alta da Selic, não é totalmente desprovida de sentido, decerto. Somos capazes de produzir catástrofes novas.

Uma viagem duradoura do dólar para as estrelas, para o espaço sideral dos R$ 4,50 e além, poderia alterar expectativas de inflação e mesmo a inflação de fato, mesmo nesta economia com traços de ansiedade sob risco de depressão. Pelos números que o Banco Central divulgou em seu comunicado desta quarta-feira, porém, a inflação esperada está nas metas até 2019.

Assim, defender a alta da Selic desde já equivale a jogar a política monetária no lixo (em vez de se ocupar de inflação, passaria a mirar uma meta de câmbio), um improviso que nem de heterodoxo se pode chamar.

Além do mais, de quanto seria o aumento necessário para colocar o câmbio "no lugar"? Qual lugar, aliás? Mercadistas heterodoxos têm um número? Meio ponto a mais na Selic seria conversinha mole.

As taxas de juros "básicas" do mercado já subiram. Financiar investimentos está mais caro; talvez esse salto dos juros de abril para cá também apareça no custo do crédito bancário. Não é o único motivo que deve emperrar mesmo a recuperação nanoscópica da economia que víamos no primeiro terço do ano.

Mesmo antes do caminhonaço, a confiança de consumidores e empresas murchava outra vez. Não deve ter melhorado em junho, dada a variedade de tumultos e motivos de desânimo.

Nesta economia que emprega níveis muito baixos de seus recursos produtivos, sob risco de nova estagnação, em tese parece mais improvável um repasse da alta do dólar para os preços, como tanto se tem dito por aí. Essa discussão, ressalte-se, é histericamente precoce, pelos dados que estão à vista.

No entanto, mesmo o Banco Central deixou uma porta aberta para a possibilidade de o pior acontecer.

Sim, o ambiente mundial está tumultuado, tanto pela política econômica e pela diplomacia dementes de Donald "Nero" Trumpquanto pela mudança da política monetária americana.

Sim, o país pode sofrer um choque de besteira, programas de governo para 2019 que prometem virar a economia do avesso e, assim, expor de vez as nossas tripas podres.

Então, nesse caso, talvez o dólar viajasse para as estrelas, com risco aumentado de repasse da alta de custos para os preços. Mas esse provavelmente seria apenas um sintoma de uma crise mais ampla.

Em resumo, não faz sentido bulir com os juros por causa do câmbio, tão cedo. Caso o país discuta modos de se explodir, durante a campanha eleitoral, talvez o assunto entre em pauta. O problema desapareceria em breve, em caso de um surto de sensatez.

Caso decidamos nos explodir, a Selic não será o maior dos nossos problemas.

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