quarta-feira, 20 de junho de 2018

Vinicius Torres Freire: Trump, o Nero Laranja, volta a atacar

- Folha S. Paulo

Líder da desumanidade parece desembestado a ponto de programar um conflito internacional

Donald Trump é uma inspiração para a escória política do mundo, para a extrema direita francesa, brasileira ou italiana; para nacionalistas, racistas, autoritários e desumanos em geral.

Sua política econômica ignorante pode causar danos domésticos, que talvez ricocheteiem pelo mundo, dado o peso dos Estados Unidos. Havia dúvidas sobre sua capacidade de provocar um conflito internacional. O primeiro teste começa em duas semanas, quando em tese passa a valer o aumento de imposto de importação sobre produtos chineses.

No entanto, os danos das escaramuças comerciais já começam a se espalhar pela finança do mundo. Além do mais, Trump ameaçou imposto extra sobre 86% das exportações chinesas, caso a China não se renda.

Em si mesmos, o aumento de tarifas e a retaliação chinesa não são lá grande coisa. Trump prometeu prejudicar importações no valor de US$ 50 bilhões, mas a partir do dia 6 de julho o imposto afeta apenas US$ 34 bilhões. A retaliação chinesa é equivalente. No total, trata-se de 10% do comércio entre os dois países (de US$ 654 bilhões), que juntos têm um PIB de US$ 30 trilhões (o do Brasil é de US$ 2 trilhões).

Mas o confronto não para por aí.

O governo Trump prometeu anunciar nos próximos dias restrições a investimentos chineses nos Estados Unidos, além de sanções contra indivíduos e empresas. Diante da promessa da China de retaliar olho por olho, Trump pediu estudos de sobretarifas que afetem outros US$ 200 bilhões de exportações chinesas. Em caso de novo revide chinês, sobre mais US$ 200 bilhões.

Os americanos calculam que a elaboração da nova lista de produtos prejudicados levaria uns três meses. Há tempo para um tico de sensatez política e uma reação empresarial, que talvez contivessem Trump. Sensatez?

O tipo se vangloria de prender crianças em gaiolas e ainda faz sucesso. Apela ao conflito externo a fim de ganhar apoio popular ensandecido, um clássico da demagogia. De resto, o povo não entende nada de comércio. Tende a ficar ao lado de Trump, talvez até aparecerem os primeiros cadáveres econômicos nos cafundós rurais ou “gadgets” eletrônicos mais caros.

A elite empresarial, pelo menos as grandes associações empresariais, apoiou ou tolerou Trump acreditando que poderia faturar algum, sem risco, como no caso do corte de impostos. Agora, apenas sussurra queixas medrosas. Enquanto isso, se apronta o calendário da escalada: tarifas em julho e bombas comerciais na China em uns três meses.

Os donos do dinheiro grosso reagem. O mundo da finança começa a tomar outra dose de aversão a risco, caem as Bolsas e, pois, patrimônios; há mexidas preocupantes na estrutura de juros americana. Incerteza política e financeira tende a colocar empresas na retranca.

A China tem meios limitados de retaliar os Estados Unidos no comércio, mas pode criar caso com empresas americanas grandes e, no limite, como se especulava nesta terça-feira (19) na mídia especializada mundial, desvalorizar sua moeda, criando mais desordem comercial e financeira, até para si mesma.

Em meados do século 19, canhoneiras americanas e britânicas abriam portos chineses e japoneses a bala. Para os chineses, a humilhação imperialista, que duraria um século, foi o ponto mais baixo da história do país, dizem eles mesmos, que têm memória de mil anos.

Os líderes chineses são mais espertos do que Trump. São pragmáticos etc. Mas não vão deixar barato.

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