domingo, 22 de julho de 2018

De olho na dívida brasileira: Editorial | O Estado de S. Paulo

Crescimento, estagnação ou novo desastre, o rumo da economia brasileira nos próximos anos dependerá, em primeiro lugar, de como o novo governo resolva cuidar das contas públicas. Muitas vezes difíceis em tempos de eleição presidencial, as previsões econômicas estão muito mais complicadas neste ano, porque a crise fiscal embaça todo o panorama. Essa dificuldade, apontada pelos vencedores da 12.ª Edição do Prêmio Broadcast Projeções, é percebida também pelos analistas estrangeiros. Economistas do Instituto de Finanças Internacionais (IIF na sigla original), com sede em Washington, decidiram analisar o panorama político brasileiro “pelas lentes do risco fiscal”, chamando a atenção principalmente para as condições de sustentabilidade da dívida pública. Mais uma vez, as conclusões apontam um caminho muito estreito e nada confortável para quem assumir a Presidência em janeiro de 2019.

Se o novo governo implementar reformas para apressar o ajuste das contas e aumentar o potencial de crescimento, o endividamento poderá declinar, mas continuará muito alto pelo menos até 2023, segundo o estudo. Se um caminho heterodoxo retardar o ajuste ou até levar a uma recessão por causa da incerteza política, a dívida aumentará abruptamente. Mas o endividamento brasileiro já é muito alto para um país emergente.

Os autores do estudo mencionam uma dívida equivalente a 83% do Produto Interno Bruto (PIB) e o risco de superação do nível de 95% até 2022 em caso de abandono do teto de gastos. Essas proporções têm como base o critério do Fundo Monetário Internacional (FMI). Pelo padrão do governo brasileiro, a conta exclui os títulos públicos na carteira do Banco Central (BC), mas, ainda assim, a dívida continua próxima de 80% do PIB e com tendência de crescimento.

Seria tolice menosprezar esse estudo como mais uma entre as manifestações de entidades ligadas ao mercado. O Instituto de Finanças Internacionais é formado por 450 dos maiores grupos e entidades do mercado global, como Itaú, Bank of America, Citigroup, JP Morgan, Wells Fargo, Lloyds Banking, Lazard Frères, Société Générale, Deutsche Bank, Allianz, Sumitomo Mitsui, Bank of China, China Construction Bank e Crédit Suisse, para citar só alguns nomes. Mas a lista de membros inclui outros tipos de instituições, como a bolsa alemã e as maiores agências de classificação de risco, responsáveis, desde 2015, pelo rebaixamento da nota de crédito do Brasil.

A análise do IIF nada tem de rosado mesmo na hipótese positiva de um governo comprometido com o ajuste. Mesmo com juros em queda e um crescimento econômico mais rápido que o deste ano, o novo governo levará muito tempo para conseguir domar a dívida publica. Sobrará serviço para o mandato seguinte, a partir de 2023. O trabalho poderá ficar mais difícil no caso de choque externo, mas, por enquanto, dificuldades em gestação no mercado internacional são menos importantes que os desajustes internos, a começar pelo fiscal.

Também o FMI chamou a atenção, nos últimos dias, para a incerteza política no Brasil e a insegurança quanto à continuidade do ajuste das finanças públicas. Os economistas do Fundo, como os do IIF, também apontam os perigos associados ao aperto da política monetária americana, com aumento dos juros básicos, e às tensões comerciais iniciadas com o conflito entre os Estados Unidos e a China. Embora o Brasil disponha de contas externas em ordem e reservas cambiais em torno de US$ 380 bilhões, o real foi uma das moedas mais afetadas pela turbulência nos mercados cambiais desde o início do ano. Os economistas do IIF acentuam também esse dado.

Para elevar o potencial de crescimento do Brasil serão necessárias muitas mudanças - na educação e na tributação, para citar só dois exemplos. Mas o desafio emergencial é mesmo o conserto das finanças públicas, como lembraram economistas de instituições ganhadoras do Prêmio Broadcast Projeções. A reforma da Previdência, abandonada neste ano, será um dos fatores essenciais para o acerto fiscal, como lembraram aqueles economistas.

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