segunda-feira, 9 de julho de 2018

Fernando Limongi: A Cartilha do Jair

- Valor Econômico

Na CNI, interessa destacar o conteúdo das falas

A CNI promoveu reunião com os principais pré-candidatos à Presidência e a reação dos empresários dominou o noticiário. A distribuição de aplausos e vaias recebidos pelos sabatinados foi tomada como indicador do apoio do empresariado aos presidenciáveis.

Por esse método, Jair Bolsonaro venceu. O pré-candidato foi 'ovacionado na entrada' e, segundo contabilidade do Valor, foi aplaudido por dez vezes. Geraldo Alckmin também foi aplaudido, mas não gerou entusiasmo. Ciro Gomes, por ter sido vaiado ao dizer que rediscutiria a reforma trabalhista, amargou a lanterna. Ao tratar do mesmo tema, Marina Silva também mereceu apupos, mas menos intensos que o pré-candidato do PDT.

Em uma leitura simples do evento, associando a plateia à promotora do evento, infere-se que Bolsonaro é o pré-candidato do empresariado. "El País", por exemplo, estampou manchete: "Elite da indústria aplaude Bolsonaro e vaia Ciro por criticar reforma da trabalhista."

Contudo, deve-se levar em conta que a plateia não era constituída apenas por empresários e, muito menos, que os presentes pudessem ser tomados como representativos da opinião da classe. Cada pré-candidato levou sua claque e as manifestações do público foram localizadas e tímidas.

Assim, mais do que as reações da plateia, interessa destacar o conteúdo das falas, isso é, o que os pré-candidatos tinham a dizer a seus anfitriões.

Para Jair Bolsonaro, líder das pesquisas e repetidamente desafiado a apresentar suas ideias sobre a economia, tratou-se de um verdadeiro teste, ou melhor, de uma oportunidade de ouro para dissipar as dúvidas que pairam sobre sua pré-candidatura entre os setores mais propensos a apoiá-la.

Não há dúvidas de que Bolsonaro é o pré-candidato da direita, mas não de que seja o pré-candidato preferido pelo mercado. As duas agendas, vale o alerta para os desavisados em ambos os lados do espectro político, estão longe de serem as mesmas.

No início de sua fala, Bolsonaro deixou claro que frustraria as expectativas, que ainda não seria desta vez que trataria de temas econômicos, a despeito, como declarou, da pressão de "uns caras do mercado financeiro" para incorporar a economia ao seu discurso. Contudo, a ocasião e os anfitriões não poderiam ser ignorados. Socorrendo-se das anotações que trouxera, Bolsonaro teceu breves considerações sobre as dificuldades para investir e saiu pela tangente para chegar aos empecilhos postos pela legislação ambiental e a proteção a populações indígenas no Estado de Roraima, assunto sobre o qual falou por quase metade do tempo de que dispunha. Foi o que lhe pareceu oportuno e prioritário dizer à elite empresarial do país, que anda à espera de sua adesão aos princípios do liberalismo.

Em sua arenga, enquanto pula de um tema a outro, o capitão artilheiro privilegiou a exploração das riquezas minerais do país, evidenciando que seu pensamento econômico é tão tosco quanto o seu nacionalismo. Além disso, o pré-candidato não perde uma oportunidade para voltar suas baterias contra as agências e os interesses externos que imporiam disparates como a proteção do meio ambiente e das populações indígenas. Dito de outra forma, o pré-candidato está mais próximo do nacional-desenvolvimentismo e do protecionismo do que do liberalismo. Sua cartilha econômica não segue as letras ditadas por Chicago e sim as de Campinas.

O homem da caserna não desperdiçou uma oportunidade para evidenciar sua incapacidade para deixar de lado suas obsessões ideológicas e adequar seu discurso às demandas de seus anfitriões. O exemplo mais acabado se deu quando foi forçado a responder a questões simples, como a feita por um empresário que, após citar estatísticas relacionando educação a avanços da produtividade dos trabalhadores nos Estados Unidos, Argentina e Brasil, emendou: "Quais são seus planos para melhorar a qualidade da educação?"

Para não cortar o fio da argumentação do pré-candidato, transcrevo, sem editar, os primeiros minutos da sua resposta:

"Aceito sugestões também, mas vamos lá buscar soluções. Estou com 63 anos. Prestei um dos concursos mais difíceis naquela época, academia militar das Agulhas Negras, sem cursinho. Tive sucesso, bem como vários dos meus colegas que também, era moda entrar para o Banco do Brasil, conseguiram. A educação tinha seus problemas, sim, mas o professor exercia e tinha como exercer sua autoridade em sala de aula. Estudei na cartilha 'Caminho Suave'. Naquele tempo, nem se falava em ideologia de gênero, não é? Pelo amor de Deus! Nada contra quem é feliz com seu parceiro aí, semelhante, vai ser feliz, quem sabe amanhã eu seja também, não sei, é problema ou solução para mim, então o currículo escolar, realmente, não dá para continuar esse que está aí."

As dificuldades do capitão artilheiro para entender a questão que lhe foi dirigida são evidentes. Tampouco há sintonia entre as prioridades do pré-candidato e as demandas empresariais. Vê-se que o despreparo do pré-candidato não se resume à economia, ele é completo.

Ao final de sua resposta, o pré-candidato encontrou tempo para outras tantas diatribes, como rechaçar a adoção da escola em tempo integral, "uma ideia que nasceu aqui na esquerda, [cuja] intenção é doutrinar nossos filhos a partir de quatro anos de idade."

São essas as ideias que lhe vêm à cabeça quando instado a refletir sobre a relação entre educação e a produtividade do trabalho. Tudo que lhe ocorre é defender a velha e surrada cartilha em que aprendeu o be-a-bá.

Na "Caminho Suave", é bom lembrar, com M não se aprende a escrever MERCADO, mas MICO. Esta é também a carta com a qual o 'pessoal do mercado financeiro' pode ter nas mãos ao final do jogo.
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Fernando Limongi é professor do DCP/USP e pesquisador do Cebrap

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