quinta-feira, 5 de julho de 2018

Limites ao poder monocrático: Editorial | O Estado de S. Paulo

Aprovado recentemente em caráter conclusivo pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei (PL) 7.104/2017 é muito oportuno nestes tempos de protagonismo judicial. Ele estabelece que, no caso de Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) e de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), a concessão de medidas cautelares depende exclusivamente da aprovação da maioria absoluta dos membros do tribunal competente.

Na realidade, o art. 10 da Lei 9.868/99 já prevê essa condição, mas como os tribunais, especialmente o Supremo Tribunal Federal (STF), têm ignorado a exigência, é conveniente pôr um esclarecedor ponto final a esse desequilíbrio institucional, que, além de provocar insegurança jurídica, interfere abusivamente na relação entre os Poderes. Hoje, uma lei aprovada pelo Congresso, que cumpriu integralmente o rito legislativo, tem muitas vezes sua eficácia suspensa por decisão de um único ministro do STF, sob a justificativa de que seu conteúdo contraria a Constituição. É muito poder para uma única pessoa.

O Poder Judiciário, especialmente o Supremo, tem competência para realizar o controle de constitucionalidade das leis aprovadas pelo Legislativo. Trata-se de uma consequência do próprio Estado Democrático de Direito, no qual nenhum dos Três Poderes dispõe de autonomia absoluta. Todos devem respeitar a Constituição, e cabe à Justiça dar a palavra final sobre a constitucionalidade das medidas aprovadas pelo Congresso.

Os limites do poder de legislar não podem, no entanto, subverter o equilíbrio institucional, fazendo com que a voz de uma única pessoa – por exemplo, um ministro do STF – valha mais que a voz conjunta da Câmara e do Senado. As leis vigentes têm presunção de constitucionalidade, o que é decorrência do respeito mínimo que se deve ter às decisões dos representantes eleitos pelo povo. Por isso, o art. 97 da Constituição define que “somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público”.

Vale lembrar que as leis, além de terem sido aprovadas pelo Congresso, são submetidas à análise do Poder Executivo. Muitas vezes, o presidente da República veta determinado trecho legal por considerá-lo inconstitucional. Neste caso, o projeto de lei volta ao Congresso, que decidirá pela manutenção ou não do veto. Ou seja, para que uma lei entre em vigor, ela passou antes pelo crivo do Legislativo e do Executivo.

É, portanto, manifestamente desproporcional a facilidade com que hoje um ministro do STF suspende sozinho, por liminar, os efeitos de uma lei. Recentemente, o ministro Ricardo Lewandowski entendeu que um artigo da Lei das Estatais era inconstitucional e instaurou, monocraticamente, novas obrigações para alienação do controle acionário, tanto de empresas públicas como de suas subsidiárias e controladas.

Além de aumentar as dificuldades para privatização das distribuidoras da Eletrobrás, a liminar do ministro Lewandowski travou os planos de recuperação financeira da Petrobrás, que incluíam a venda de alguns ativos. Com a decisão, a Petrobrás precisará ter a autorização do Congresso para realizar as vendas planejadas.

O PL 7.104/2017 prevê um procedimento especial para o período de recesso judicial. Neste caso, havendo urgência excepcional, o presidente do STF poderá monocraticamente conceder medida cautelar em Adin. Nesta hipótese, o pleno do Tribunal “deverá examinar a questão até a sua oitava sessão após a retomada das atividades”. Hoje, um ministro concede liminar e não se sabe quando o colegiado irá julgar o mérito. Por exemplo, decorridos mais de cinco anos, o plenário do STF ainda não julgou medida cautelar de março de 2013 contra artigos da Lei 12.734/12, que tratam da distribuição dos royalties do petróleo.

O controle de constitucionalidade deve servir para que a Constituição prevaleça. Do jeito que se faz hoje, ele possibilita que a voz de uma única pessoa, que não recebeu nenhum voto, sendo tão somente um integrante de um órgão colegiado, impere sobre toda a República. É urgente retificar tal anomalia, que, sob o pretexto de proteger a Carta Magna, a subjuga.

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