sexta-feira, 27 de julho de 2018

Luiz Carlos Azedo: A frente ampla

- Correio Braziliense

O instinto de sobrevivência das elites políticas leva ao caminho do meio, no caso o tucano Geraldo Alckmin, testado e aprovado pelo establishment como governador de São Paulo

Durante o regime militar, nunca houve consenso entre as elites do país. Sempre houve uma resistência política organizada, institucional, nos espaços legais, o que, no decorrer do processo, se demonstrou mais eficiente e produtiva — e capaz de conquistar adesão popular —, do que a agitação pura e simples ou a desastrada luta armada. Antes da consolidação do antigo MDB como frente eleitoral das oposições, o que somente se deu após as eleições de 1974, essa elite dissidente foi representada pela chamada Frente Ampla, formada em 1966. Reunia a oposição trabalhista liderada por João Goulart e dois políticos que haviam apoiado o golpe, o ex-presidente Juscelino Kubitschek, do antigo PSD, e, para espanto de muitos, o ex-governador carioca Carlos Lacerda, líder inconteste da UDN, além do líder comunista Luiz Carlos Prestes (PCB), na clandestinidade.

O programa da Frente Ampla era essencialmente democrático: retorno às eleições diretas, anistia, pluripartidarismo e direito de greve. A aliança de Lacerda com Jango, JK e Prestes foi uma decorrência óbvia da suspensão das eleições diretas à Presidência da República, que estavam marcadas para 1965, na qual o udenista seria candidato. A edição do AI-1 anulou as esperanças de Lacerda, que passou à oposição, embora fosse um dos líderes civis do golpe. Com um manifesto no jornal Tribuna de Imprensa, do qual era fundador e diretor, o ex-governador exigia eleições diretas, desenvolvimento econômico, reforma partidária e uma política externa soberana.

Com comícios e mobilizações, a Frente Ampla conquistou adesão popular e promoveu grandes manifestações no ABC Paulista, em Londrina e em Maringá, assustando o presidente Costa e Silva, o general que havia substituído o marechal Castelo Branco no Palácio do Planalto. Ainda mais após a morte do estudante Edson Luiz, em 28 de março daquele ano, que provocou grandes manifestações estudantis e levou o alto clero católico à oposição. Em abril, a Frente Ampla foi cassada; na sequência, motivado também pelas ações armadas da esquerda radical, que optou pelas guerrilhas urbana e rural, Costa e Silva editou o AI-5, em 13 de dezembro daquele ano. Lacerda teve os direitos políticos cassados e acabou preso, porém, após uma semana de greve de fome, foi libertado.

Os líderes da Frente Ampla mantiveram certa influência política, mas foram impedidos de participar de eleições. Morreram antes da anistia: Juscelino em 22 de agosto de 1976, em um acidente de carro na Via Dutra; João Goulart, no exílio, em 6 de dezembro de 1976, em Mercedes, na Argentina, de um ataque cardíaco; Lacerda, em 21 de maio de 1977, após ter sido internado por desidratação, devido a uma infecção no coração. Suspeitas de que essas mortes tão próximas umas das outras estejam relacionadas à Operação Condor, montada em 1975 entre militares do Chile, Argentina, Brasil e Paraguai para combater seus opositores, nunca foram comprovadas.

Alckmin
Ontem, líderes do “Centrão” anunciaram o apoio à pré-candidatura do ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB) à Presidência da República, reeditando uma frente ampla que reúne o establishment político do país. O grupo é formado por DEM, PP, PR, PRB e Solidariedade, que agora se juntam ao PSDB, ao PSD, ao PTB e ao PPS. O deputado federal Paulo Pereira da Silva (SD-SP) resumiu o significado do apoio: “Estamos convencidos de que para tirar o Brasil desse buraco que estamos só com um conjunto de forças como esse, que se junta em torno dessa candidatura”. O presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI), afirmou que o tucano poderá contar com a “militância aguerrida” do partido. Ambos eram aliados de Lula, derivaram para a oposição à Dilma Rousseff, namoraram a candidatura de Ciro Gomes e acabaram junto ao tucano paulista. Formou-se uma frente que terá quase 50% dos meios de campanha destinado a todos os partidos, principalmente o tempo de televisão: 14 minutos e 47 segundos a mais de tempo de TV, contando os programas eleitorais diários e as inserções na programação.

Ao contrário da Frente Ampla da década de 1960, essas forças não estão na oposição, apenas mantêm distância regulamentar do MDB, que deve confirmar a candidatura do ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles. Nos bastidores, houve um empurrãozinho do presidente do Michel Temer para que a aliança não sofresse obstrução do governo. O que motiva essas forças? É a aposta nas estruturas partidárias existentes e seus mecanismos de reprodução de poder. O instinto de sobrevivência das elites políticas leva ao caminho do meio, no caso o tucano Geraldo Alckmin, testado e aprovado pelo establishment como governador de São Paulo por quatro mandatos.

No fundo, a reação dos políticos do “Centrão” às candidaturas de Jair Bolsonaro (PSL) e de Ciro Gomes (PDT) tem o seu DNA na crise de 1964 e na reação dos políticos daquela época ao que aconteceu, principalmente os que apoiaram o golpe militar e se arrependeram. Representa também o convencimento de que o projeto do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que mantém uma candidatura inelegível a qualquer preço, não tem a menor viabilidade.

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