sábado, 14 de julho de 2018

Modelo de risco: Editorial | Folha de S. Paulo

Iniciativa do governo ameaça desorganizar ainda mais o setor que atua em saneamento básico

Com um quinto da população sem acesso a água encanada e mais da metade sem tratamento de esgoto, o Brasil tem encontrado muitas dificuldades para ampliar seus investimentos em saneamento básico.

A penúria do setor público, responsável pela prestação dos serviços na maior parte do país, é só a parte mais visível do problema. Há também incertezas criadas por um ambiente regulatório desorganizado e pela falta de coordenação entre as várias esferas de governo.

Nesse sentido, é bem-vinda a tentativa da gestão Michel Temer (MDB) de modernizar a legislação em vigor e abrir espaço para maior participação privada. A forma escolhida para fazê-lo, porém, não parece ter sido a mais adequada.

O presidente editou medida provisória sobre o assunto no último dia 6, horas antes do jogo que terminou com o Brasil eliminado da Copa do Mundo. O texto só foi publicado na segunda (9), quando as novas normas passaram a valer.

A propositura precisa ser examinada pelas duas Casas do Congresso, que poderão fazer alterações ou simplesmente rejeitá-la. Com deputados e senadores mais dedicados às eleições em seus estados, afigura-se improvável que a MP receba a atenção devida.

O plano do governo confere à Agência Nacional de Águas (ANA) poderes para definir normas do setor em todo o país, incluindo tarifas e padrões de qualidade. Uma vez que a Constituição assegura aos municípios a prerrogativa de legislar sobre o tema, entidades já se preparam para questionar a novidade na Justiça.

A medida provisória também obriga as cidades a abrir licitação pública sempre que quiserem contratar terceiros para prestar os serviços, impedindo a realização de convênios diretos com as companhias de saneamento dos estados.

A ideia é estimular o envolvimento da iniciativa privada, mas a inovação ameaça um dos pilares que sustentam empresas como a Sabesp, que financiam investimentos em regiões pobres com recursos arrecadados nas cidades mais ricas.

O novo modelo põe em risco esse mecanismo de subsídio cruzado ao criar incentivos para que os municípios se desliguem das concessionárias estaduais sem que elas sejam indenizadas pelos gastos que fizeram nas redes locais.

Nos últimos anos, o setor privado foi responsável por um quinto dos investimentos realizados pelo país em saneamento básico. Redes administradas por essas empresas já atendem 9% da população.

Dadas as enormes carências nessa área e a escassez de recursos orçamentários, é fácil perceber que será impossível lidar com o problema só com dinheiro do Orçamento e das estatais. Mas será preciso aperfeiçoar o modelo proposto pelo governo para evitar que ele traga ainda mais confusão.

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