sexta-feira, 27 de julho de 2018

Ressocialização pelo trabalho: Editorial | O Estado de S. Paulo

A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, no exercício da Presidência da República durante viagem internacional do presidente Michel Temer, assinou o Decreto n.º 9.450/2018, que institui a Política Nacional do Trabalho no Âmbito do Sistema Prisional (Pnat).

Trata-se de uma boa medida do governo federal com vista à ressocialização de milhares de presos em regime fechado, semiaberto ou aberto e egressos do sistema prisional, sobretudo diante de uma estimativa apresentada pelo Ministério da Segurança Pública que indica que o País terá 1,5 milhão de presos até 2025, o dobro da população carcerária atual. Caso seja bem executada, a Pnat terá grande potencial para ajudar a reduzir o número de reincidentes, uma parte expressiva do contingente prisional, por meio da ressocialização pelo trabalho.

Pelo disposto no decreto, que está em vigor desde a quarta-feira passada, órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional deverão exigir das empresas que desejam participar de licitações públicas o emprego de mão de obra formada por pessoas presas ou egressas do sistema prisional sempre que os contratos tenham valor anual acima de R$ 330 mil.

A medida está em linha com uma mudança na Lei n.º 8.666/1993 – Lei de Licitações –, sancionada pelo presidente Michel Temer em outubro do ano passado. O artigo 40 do referido diploma legal passou a vigorar com um parágrafo que autoriza órgãos e entidades da administração pública a exigirem, em seus editais de licitação, que as empresas que pretendem prestar serviços ao Estado contratem um porcentual de mão de obra composto por presos e egressos do sistema prisional.

Pelo decreto assinado pela presidente em exercício, os presos e egressos do sistema prisional deverão compor 3% dos postos de trabalho quando o contrato demandar 200 ou menos funcionários para ser executado; 4% nos casos em que a exigência for entre 201 e 500 funcionários; 5% entre 501 e mil funcionários; e 6% para os casos em que a execução do contrato com a administração pública requerer mais de mil funcionários. A contratação dos porcentuais indicados na lei será exigida no momento da assinatura do contrato.

O espírito da lei é bom. As empresas contratadas pela administração pública deverão tratar os funcionários presos ou egressos sem qualquer tipo de discriminação. A eles serão fornecidos transporte, alimentação, uniforme idêntico ao utilizado pelos demais terceirizados, equipamentos de proteção, quando cabíveis, inscrição no Regime Geral de Previdência Social e remuneração nos termos das leis em vigor.

O decreto também é sensato ao prever que as empresas contratadas não serão punidas com multas ou até mesmo a rescisão do contrato caso o emprego de presos e egressos no porcentual exigido para cada contrato se mostre inviável. Evidentemente, caberá às empresas contratadas apresentar, justificadamente, as razões de inviabilidade.

Embora implementada pela União, a Pnat deve ser executada em regime de cooperação com Estados e municípios por meio de convênios e parcerias técnicas firmados com o Poder Judiciário, Ministério Público (MP), organizações não governamentais (ONGs), organizações da sociedade civil, sindicatos e entidades e empresas privadas. Portanto, o MP e os demais órgãos de controle e fiscalização dos contratos firmados com a administração pública deverão ser diligentes a fim de garantir a lisura dos certames, seja pela salvaguarda do interesse público, seja pela proteção do próprio espírito do decreto para que produza os bons resultados que dele são esperados.

De boas leis, o ordenamento jurídico brasileiro está cheio. Será muito bom para o País, sob diversos aspectos, que o Decreto n.º 9.450/2018 não se perca no poço fundo das boas intenções. Mais presos e egressos do sistema prisional trabalhando com dignidade significa menos presídios superlotados e degradantes, menos violência nas ruas e, ao fim e ao cabo, uma sociedade mais civilizada.

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