quarta-feira, 4 de julho de 2018

Rosângela Bittar: O destino de Temer

- Valor Econômico

"Prisão está fora de cogitação, não há base legal"

O que vai acontecer com o presidente Michel Temer depois do dia 1º janeiro de 2019? A pergunta, de forma mais direta, seria: ele pode ser preso?

O cerco da Polícia Federal e do Supremo Tribunal Federal é intenso porém inconstitucional, na opinião do ministro da Justiça, Torquato Jardim. Profundo conhecedor do Judiciário e com experiência de Executivo em diferentes governos, culminados com o cargo atual, o ministro manifesta a expectativa de que, indo o caso para primeira instância, com a perda do foro privilegiado, o presidente possa ter um julgamento menos politizado.

Sigamos seu raciocínio, no qual conclui que, nos procedimentos de agora, está havendo "violação de um princípio fundamental". Legislação citada: "Está no Código do Processo Penal, artigo 10 e seguintes: qualquer sistema de inquérito policial precisa investigar o fato. Quando o réu não está preso em flagrante, o prazo é de trinta dias. Não tem essa história de ficar estendendo, estendendo, estendendo".

O parágrafo terceiro do mesmo artigo 10 permite que o delegado peça mais prazo, justifique o pedido e o juiz da causa, em qualquer instância, justifique também a concessão. "Mas é preciso que haja uma explicação, e não tem".

No caso do Decreto dos Portos, fato que motivou a abertura da investigação, o ministro vai relacionando as irregularidades. Primeiro, foi a investigação do fato "favorecimento da Rodrimar ". Verificou-se que não é verdade porque os contratos da Rodrimar são anteriores à lei, diz Torquato. Depois, decidiram investigar a Libra. "Aí se descobre que o contrato da Libra foi prorrogado pela ex-presidente Dilma e não Temer. "Bem, então vamos procurar saber o que agora? Aquele processo de 20 anos atrás de uma investigação em que foi citado por acaso o nome do deputado Michel Temer porque o fulano, num processo de divórcio daquela senhora, citava o nome dele". É assim mesmo, deliberadamente vago, que Torquato cita o caso e o desqualifica mais ainda como prova.

Como nada se descobriu, continua, o passo seguinte foi verificar a reforma da casa da filha. "O que isso importa? Ora, um casal amigo do presidente há mais de 20 anos [coronel Lima], a esposa é arquiteta, fez um pré-projeto de esboço de reforma para a casa de Maristela. Daria um gasto de mais de R$ 1 milhão. Ela não tinha esse dinheiro, abandonou a ideia e foi feito um outro, menos da metade do preço. Ambos ficaram lá, no arquivo dela", conta o ministro. Nada concluindo, decidiu-se: "Vamos ver pagamento de contas. Aí começam a ver a reforma da casa do presidente. Em 1998!".

Conclui Torquato Jardim: "É uma sucessão de fatos levantados porque não se conseguiu provar os anteriores. E o que diz o código de processo? "Os delegados, não provado o fato, pedem o arquivamento. O juiz arquiva, o delegado pode abrir outro. Mas não ficar no mesmo processo prorrogando indefinidamente".

"O presidente está submetido a uma ação sucessiva, combinada, da Polícia Federal [delegado Cleiton] com a aprovação do ministro relator [Roberto Barroso], que não se admitiria na primeira instância com relação ao cidadão comum", constata o ministro da Justiça. Estabelecendo a comparação, diz que o cidadão comum já teria obtido um habeas corpus preventivo ou qualquer outro recurso e trancado essa sequência. Alerta: "Veja bem, não é que não possa ser uma sequência de ene inquéritos. O que não pode é, não provado o fato pelo qual foi aberto um inquérito, partir para a caça de outros fatos, sem conexão, no mesmo inquérito. O que Rodrimar tem a ver com Libra? Se está certo que a Rodrimar não foi favorecida porque o projeto dela é anterior à lei, então vão atrás de outras especulações?"

Até o Tribunal de Contas da União entrou equivocadamente no caso para discutir o número de anos em que o contrato pode ser prorrogado, se 70, 35, 20 ou o que seja. Qual a competência do TCU para isso?"

O ministro pega o artigo 71 da Constituição sobre a competência desse tribunal, que deve dar parecer prévio para as contas do presidente da República e, julgar, sim, como se fosse Judiciário, o uso indevido de recursos públicos. "Isso que o tribunal está questionando não é utilização de dinheiros públicos". Seria apropriação, diz, se na prorrogação de 70, 35 ou 20 anos, do contrato das áreas do porto de Santos resultasse dano ao erário, o que não foi constatado. "O juízo técnico do poder Executivo de prorrogar não é avaliação do TCU".

Na sequência dos desvios nos pedidos e concessões de prorrogações do inquérito, o ministro destaca a última, da semana passada: "O prazo terminará dia 7 de julho. O Supremo entrou em recesso na sexta-feira, dia 29 de junho. Então o delegado antecipou o pedido de prorrogação, e o ministro Barroso deferiu, alegando a proximidade do recesso?, questiona, perplexo.

Mais um fato: "Veja, o que fez esse delegado, ele requereu ao relator, e o ministro do Supremo deferiu, mais 35 pessoas, entre delegados, agentes e especialistas para ajudá-lo. Ele está com essa história há um ano, de repente precisa de mais 35 pessoas?"

Afirmando que não está julgando mas apenas relacionando "uma inequívoca sucessão de fatos", o ministro da Justiça conclui: "A mim me configura abuso de poder. Um abuso de poder do qual decorrem violação da cidadania e da dignidade da pessoa humana, que estão no artigo primeiro da Constituição como fundamentos do estado democrático de direito.

Abuso de poder de quem? "Do delegado". A que atribuir isso? "É uma grande interrogação"!

Voltando à pergunta inicial, sobre o que acha que vai acontecer com o presidente quando deixar o cargo e perder o foro privilegiado, ele responde, simplesmente: "Dia 1º de janeiro o processo volta à primeira instância". Do ponto de vista jurídico, ressalta, a grande pergunta é: na primeira instância, um juiz que atue despolitizadamente vai sufragar isso tudo? É a outra grande interrogação."

Nessa interrogação se inclui a possibilidade de o presidente ser preso na saída? "Não, isso não está em cogitação, não há nenhum motivo legal para isso".

E do ponto de vista dos sentimentos, como o advogado, jurista e professor de direito constitucional está enfrentando a guerra? "Ele tem uma capacidade de resiliência notável".

Segundo Torquato, sua força vem da consciência histórica de que, seja qual for o preço pessoal, ele tem de ficar até o último dia. "Imagina a crise constitucional se ele pede as contas e vai embora para se defender em juízo de primeira instância, sem pressão política, que é o ideal para ele? São 30 dias para convocar eleição com base em uma lei que não existe. Isso é que marca a percepção aguda de que ele não tem escolha senão ficar até o fim."

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