domingo, 8 de julho de 2018

Sérgio Besserman Vianna: Vida e futebol

- O Globo

Jogamos o melhor que podemos e, às vezes, somos os melhores ou nosso time é

Passo pela vida tendo como um dos marcadores do tempo as Copas do Mundo. Passo o tempo da vida começando o dia pelas páginas de futebol no jornal. É bom começar o dia pelas batidas do coração. Passo a régua das memórias mais queridas pelo firme chão dos campos de pelada ou das polêmicas futebolísticas do dia a dia.

Por que o futebol é o esporte mais querido e amado do planeta, de longe? Vamos descartar as hipóteses mais simples? Por conta da beleza de seus melhores momentos? Não! Outros esportes são igualmente espetaculares, e a frequência de seus momentos mais emocionantes, muito maior.

Por conta de seu caráter tribal, substituto civilizado das guerras? Outros esportes fazem isso com mais simbolismo guerreiro. Por conta do acaso? Pode ser, mas, hummm, não deve ser. Décadas atrás o Saldanha dizia que era pelos poucos requisitos materiais: uma bola, um campinho qualquer e duas sandálias como traves. Parecia um bom argumento, mas a história mostrou que não é isso. Um campinho hoje, com aglomerados urbanos de milhões de pessoas, ficou difícil.

Bem, é uma paixão, e paixão não tem explicação. Bobagem, toda paixão tem razões que a própria paixão desconhece (se conhecer deixa de ser paixão). Vou oferecer uma explicação, que não mata a paixão, porque não explica nada. Amamos o futebol porque ele é o esporte mais parecido com a vida. Não jogamos com o que temos de melhor, as mãos, mas com o que as regras e o contexto permitem, os pés. Jogamos (e vivemos ) sozinhos, mas junto aos outros, sem os quais não haveria jogo, nem vida, e nem mesmo conseguiríamos sonhar com quem somos.

Jogamos o melhor que podemos e, às vezes, somos os melhores ou nosso time é. Mas a frequência do evento máximo e definidor, o gol, é tão rara em 90 minutos que ser melhor está bem longe de estar certo de vencer. E definir esse “melhor” é imponderável como a vida. Um time pode ser melhor, mas no outro bate mais forte o coração, ou as mentes estão mais conscientes e compenetradas no que fazer. A tribo pode estar mais unida.

Os fatores são infinitos, muito mais complexos do que “saber jogar melhor”, como na vida. E a contingência pode ser decisiva, como nós, trapezistas da existência, bem sabemos. Um craque sozinho faz uma jogada genial e decide o jogo. Um grupo de amigos “forma uma corrente”, gera uma emoção e ganha o jogo. Sabe-se lá? Parece a vida.

E, tal como a vida, sem mudar, tudo muda. A International Board é extremamente conservadora e resiste ao extremo em mudar alguma regra do jogo. Em consequência, o jogo mudou completamente. Muito mais corrido e intenso, mas com muito menos luzes.

Está mais do que na hora de tirar um, jogar dez contra dez, abrir espaços para dribles e lançamentos sem perder a intensidade, reduzir custos (quase 10%) , melhorar a produtividade (vai sair o pior, certo?) e reinventar a vida, que é o que a define.

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Sérgio Besserman Vianna é presidente do Instituto Jardim Botânico do Rio de Janeiro

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