quinta-feira, 12 de julho de 2018

Sérgio Fausto: Ainda dá para virar o jogo

- O Estado de S.Paulo

Ao contrário da Copa, há muito a ser jogado pelo Brasil no campo eleitoral

Para o Brasil a Copa acabou antes do que gostaríamos. Com ela se foi o que tem sido raro nos últimos tempos: a alegria compartilhada de se sentir brasileiro(a). Partimos para a campanha eleitoral com o País ainda em crise e sem clareza sobre se saberemos superá-la no próximo mandato presidencial.

Teremos de juntar os cacos. Se, de um lado, não faz sentido repor a estrutura de poder que se desmontou, tampouco têm cabimento as fantasias de quem aposta que a única solução é fazer tábula rasa do passado e renovar “tudo isso que está aí”. É a típica resposta simples para problemas complexos e, como de hábito, está errada. Repetida por ignorância ou má-fé, só serve para levar água ao moinho de pseudossoluções salvacionistas e autoritárias.

Os últimos 30 anos, o mais longo período da História brasileira vivido sob um regime plenamente democrático, não justificam a opinião pejorativa sobre a política em geral e sobre todos os políticos que hoje prevalece na sociedade. Sob a letra e o espírito da Constituição de 1988, o Brasil pôs fim a décadas de inflação alta, crônica e crescente, ampliou muito o acesso aos serviços públicos de educação e saúde, reduziu a pobreza, começou a diminuir a desigualdade, reforçou os mecanismos de controle do Estado pela sociedade e de combate à corrupção nos setores público e privado, consolidou um regime de liberdades como nunca antes na História deste país.

Esses avanços não se deram por decreto. Fizeram-se pela arte e pelo ofício da política democrática. São produto de um socialmente amplo e pluripartidário conjunto de atores cujas ações, nem sempre coordenadas em torno de uma clara e nítida agenda de reformas, jamais isentas de disputas da alta e da pequena política, permitiram respostas ao objetivo posto ao final do regime autoritário: como enraizar a democracia e completar o desenvolvimento da cidadania no Brasil. Objetivo que a Constituição de 1988 soube expressar, embora nem sempre oferecendo os meios mais eficazes para alcançá-lo. Daí terem sido necessárias tantas emendas constitucionais e leis complementares, feitas sem ruptura da legalidade, fato raro na História brasileira.

Afirmar que o balanço dos últimos 30 anos é positivo não é igual a fazer o elogio “de tudo isso que está aí”. A verdade é que a manutenção do status quo tornará o Brasil fiscalmente insolvente e politicamente ingovernável no médio prazo. As condições políticas e fiscais da governabilidade democrática estão muito próximas do seu ponto de exaustão. Deterioraram-se à medida que o presidencialismo de coalizão dava lugar ao de cooptação e a responsabilidade fiscal passou a sofrer ataques constantes de quem por ela mais deveria zelar, o governo nacional, então sob o comando do PT. Deterioração que seria aguda em qualquer hipótese e se tornou dramática com as revelações decorrentes da Lava Jato e congêneres.

Chegou a hora de refazer o molde em que foi confeccionado o pacto constitucional de 1988. Devem ser eliminados todos os privilégios corporativos assegurados na Constituição, transferida para legislação infraconstitucional a maioria - se não todos - dos dispositivos referentes à tributação e aos gastos públicos, bem como aos sistemas eleitoral e partidário. Mantidos, porém, as garantias das liberdades fundamentais, os mecanismos de defesa dos interesses difusos da sociedade e os direitos sociais básicos.

A desconstitucionalização de regras fiscais, tributárias e eleitoral-partidárias as tornará sujeitas a mudanças por iniciativas infraconstitucionais, que requerem maiorias menores do que o voto de três quintos dos deputados e senadores. Enfrentará resistências conservadoras menos óbvias, mas não menos importantes do que a eliminação de privilégios.

Mudança desse tamanho não é tarefa política trivial. Também não é simples o desafio de construir maiorias políticas capazes de produzir bons resultados uma vez desconstitucionalizadas as regras acima referidas. Por bons resultados entendo mudanças que permitam maiores e mais sustentáveis avanços na realização do objetivo de dotar o Brasil de uma democracia mais representativa, um Estado mais eficaz e responsável, uma economia capaz de crescer mais, em bases ambientalmente sustentáveis, e uma sociedade mais justa.

Belas palavras, mas como chegar lá? Ou melhor, como caminhar nessa direção? Precisaremos de novo de um socialmente amplo e pluripartidário conjunto de forças que se junte em torno de um acordo mínimo, mas substantivo, em favor de mudanças indispensáveis para que o País retome as rédeas do seu destino. De imediato não é necessária concordância em torno de um amplo programa de governo. Basta convergência no essencial: reforma da Previdência e lipoaspiração cirúrgica da Constituição.

O essencial divide-se em duas etapas: na primeira, evitar que as forças de centro reformistas fiquem sem uma opção razoável no segundo turno; na seguinte, compor uma maioria política capaz de transformar a agenda mínima num programa de governo ou, na hipótese de derrota, organizar uma oposição eficaz e programática ao presidente eleito tornando viável um polo alternativo de poder e uma referência clara para a sociedade.

Estamos diante de condições adversas: dispersão político-eleitoral das forças do centro reformista, escassez de lideranças incontestes, estigmatização da política democrática dos últimos 30 anos, impulsos renovadores positivos, mas não raro ingênuos e/ou sectários, sem falar nas tentações populistas e autoritárias.

Contudo, ao contrário da Copa, a eleição para o Brasil ainda não acabou. Há ainda muito jogo a ser jogado. Pesquisa recente da XP Investimentos mostra que 49% dos eleitores decidiram seu voto em 2014 depois de iniciada a campanha eleitoral. Os adversários do centro reformista abriram vantagem nas preliminares da partida principal. Mas inda há tempo de virar o jogo.
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Sérgio Fausto é Superintendente Executivo da Fundação FHC, colaborador do Latin American Program do Baker Institute of Public Policy da Rice University, é membro do Gacint-USP

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