quarta-feira, 15 de agosto de 2018

Bruno Boghossian: Além da superfície

- Folha de S. Paulo

Candidato se pendura em juiz, exagera nos slogans e fica na indignação superficial

Eleito na onda de rejeição à política turbinada pela Operação Mãos Limpas, em 1994, Silvio Berlusconi buscava um selo de integridade para o novo governo. O milionário telefonou para o principal magistrado da investigação e o convidou para ser seu ministro do Interior.

O marketing fajuto não funcionou. Antonio di Pietro até se reuniu com Berlusconi, mas recusou o cargo. Depois, passou a investigar o primeiro-ministro, travou uma batalha institucional com o governo e, pressionado, abandonou a magistratura.

Alvaro Dias (Podemos) não é Berlusconi, mas tenta ganhar pontos com um artifício semelhante. O presidenciável embarcou numa campanha vazia ao repetir à exaustão um convite público para que Sérgio Moro integre seu governo.

Até agora, o juiz da Lava Jato não desautorizou o uso de sua imagem. Em nota divulgada na última semana, disse ser “inviável” qualquer manifestação. “A recusa ou a aceitação poderiam ser interpretadas como indicação de preferências”, escreveu.

A ambiguidade favorece a propaganda rasa de Dias. O candidato pode até ter boas intenções, mas o aceno recorrente ao juiz e a retórica indignada não passam, por enquanto, de um jogo de imagens.

Político há 50 anos, o presidenciável tenta a todo custo ser o representante da antipolítica. Em debates e sabatinas, imposta a voz e aplica frases feitas para transmitir sua repulsa em relação a governos.

“Que país é esse? Que afronta é essa? Que escárnio? Somos todos idiotas submetidos a essas idiossincrasias de gente que assaltou o Brasil e entende-se acima da lei?”, perguntava a empresários na semana passada.

Dias recorre a um conceito genérico de “refundação da República”, como se sua vitória e uma equipe de juízes famosos tivessem o condão de inaugurar uma nova era no país.

Na pré-campanha, o candidato apareceu como alternativa para eleitores fartos com a corrupção. Seu bordão mais recente, “abre o olho, Brasil”, deveria obrigá-lo enxergar além da superfície dos slogans.

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