segunda-feira, 27 de agosto de 2018

Celso Rocha de Barros: E o Lula, hein?

- Folha de S. Paulo

Liderança de petista é bônus que se ganha ao se opor a governo com 4% de aprovação

Em uma eleição cheia de dúvidas, temos a primeira certeza. Luiz Inácio Lula da Silva venceria a eleição presidencial de 2018 se não estivesse preso.

Falta pouco mais de um mês para a eleição. Nas três pesquisas da semana passada, Lula teve quase 40% das intenções de voto para o primeiro turno. Lula vence por larga margem qualquer adversário nas simulações de segundo turno, e talvez vencesse no primeiro. O PT tem um tempo de TV razoável, e uma boa estrutura partidária nacional. O segundo colocado tem o maior índice de rejeição de todos os candidatos. A terceira e o quarto colocado são ex-ministros de Lula.

Qualquer outro candidato com esses números, nessa situação, já teria sido declarado eleito por todos os analistas.

Os antilulistas profissionais passaram a semana tentando provar que nada disso importa, ou que é mentira, ou que isso só prova que os eleitores de Lula são fanáticos que não se importam com corrupção, ou que, sei lá, o Brasil não tem jeito.

Não, filho.

Já dizia Upton Sinclair, é difícil explicar algo para o sujeito cujo ganha-pão é não entender o que você está tentando explicar. Mas vamos lá.

Os eleitores de Lula, também conhecidos como "a maioria do eleitorado entre 2002 e 2014", estão compreensivelmente irritados.

Eles têm perfeita noção de que o primeiro governo Dilma foi um desastre, de que o PT se envolveu em escândalos de corrupção seríssimos, e, por isso, não foram às ruas protestar contra o impeachment. Abandonaram Lula e o PT em grande número em 2015-2016, como todas as pesquisas mostraram.

E, nesse momento, quando a direita brasileira finalmente conquistou a atenção dos pobres brasileiros, o que ela lhes ofereceu?

Michel.

Temer.

Longe de ser uma aberração nascida em uma cultura política personalista e atrasada, longe de ser um sinal de tolerância popular à corrupção, a liderança de Lula é o bônus que se ganha quando se lidera a oposição contra um governo com 4% de aprovação.

Da próxima vez que forem instalar um governo que vai acabar com 4% de aprovação, minha sugestão é que não o façam carregando bonecos gigantes do cara de quem vocês não gostam. O pessoal acaba associando.

Enfim, o companheiro impeachment continua empenhadíssimo na campanha por Lula.

Mas e a prisão? O sujeito não é moralmente obrigado a abandonar seu candidato preferido se ele é condenado em segunda instância por corrupção e lavagem de dinheiro?

Bom, aí depende. Só o candidato dele foi preso? Só o dele está impedido de concorrer?

Porque, se for isso, você precisa admitir que é chato. Afinal, acaba de acontecer uma grande investigação de corrupção que produziu provas contra todos os grandes partidos.

O eleitor de Lula foi feito de otário durante o impeachment e é o único cujo candidato não vai poder concorrer. Você também faria questão de votar no seu candidato se fosse você na mesma situação.

E você acha que isso tudo é ruim? Nem começou a ficar ruim. Depois das eleições o Supremo Tribunal Federal deve pautar a prisão após condenação em segunda instância. A regra vai ter durado exatamente o tempo necessário para Lula ser condenado e passar a eleição preso.

Responda sinceramente: na sua opinião, nesse exato momento da história de nossa democracia, os pobres brasileiros têm o mesmo direito à voz que tiveram nos primeiros trinta anos da Nova República?
-------------
Celso Rocha de Barros, servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).

Nenhum comentário:

Postar um comentário