segunda-feira, 6 de agosto de 2018

Cida Damasco: Ajuste social

- O Estado de S.Paulo

Rombo fiscal põe em risco planos para áreas como educação, saúde e ciência

Mais de 10 candidatos à Presidência da República confirmados pelos partidos, muitas alianças, algumas contestadas pelos próprios integrantes, e programas de governo finalmente vindo à luz. Esse é um rapidíssimo resumo do quadro político, a dois meses das eleições. Mesmo com a arrumação das candidaturas chegando à reta final, permanecem no ar inúmeras incertezas. Uma delas, sem dúvida, é como o vencedor da disputa vai conciliar o mais do que necessário “ajuste social” do País, com o enorme rombo fiscal. Recursos escassos, mas principalmente prioridades desfocadas e gestões ineficientes, deixam às claras a urgência de mudanças na educação, saúde, ciência e tecnologia, entre outras áreas.

A ameaça de “quebra” da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), denunciada na semana passada, é apenas um exemplo da dura realidade que se esconde atrás dos números de contas públicas. Segundo a Capes, caso se concretizasse um corte no orçamento de quase R$ 580 milhões em relação a 2018, cogitado pelo Ministério da Educação, quase 200 mil ficariam sem bolsas, um golpe na pesquisa e inovação do País.

É fato que a situação é de aperto mesmo. Para cumprir a meta de déficit primário de R$ 139 bilhões no ano que vem, R$ 20 bilhões abaixo do alvo deste ano, e especialmente o teto de gastos, será imperioso fazer cortes. Algo próximo de R$ 30 bilhões nos chamados gastos discricionários, aqueles não obrigatórios. A questão central, porém, é o que cortar e o que manter. Especialmente porque, na partilha das verbas, o poder dos lobbies acaba prevalecendo. Ou seja, nem sempre a definição de despesas a serem preservadas obedece a critérios ditos “técnicos”. Para agravar a situação, há a própria inexperiência e/ou inadequação de muitos gestores. Só para lembrar, têm sido exatamente os ministérios da área social os mais atingidos pelo loteamento de cargos nas reformas ministeriais, o que, convenhamos, não costuma resultar nas melhores escolhas.

Nesse quadro de muitas carências, pouco dinheiro e pouca eficiência, é natural que os planos dos candidatos para as áreas sociais encontrem fortes limitações. Na educação, por exemplo, há uma tendência de revisão de prioridades, do ensino superior para o fundamental – depois da multiplicação de universidades e da explosão do Fies, o programa de financiamento estudantil, que acabaram saindo muito caro para o governo federal. Mas mesmo esse deslocamento exigirá aporte de recursos para sair do papel: a reforma do ensino médio – criticada por alguns e apoiada por outros, como o tucano Geraldo Alckmin – precisa de investimentos tanto na ampliação da rede escolar, principalmente para permitir o avanço do ensino integral, como também na preparação dos professores para as novas exigências.

O Plano Nacional de Educação, então, nem se fale. A meta de ampliar os gastos em educação de 6% do PIB neste ano para 10% em 2024 é claramente uma proeza diante do buraco em que se encontra o setor público – ainda que esses 6% não sejam pouca coisa, comparados a outros países, como a média de 5,5% nos integrantes da OCDE. Marina Silva (Rede), por exemplo, em entrevista ao blog Eleição+Educação, no Estado, defende o aumento das despesas em educação, mas ressalta a necessidade de “eficiência e transparência” e compatibilidade com a responsabilidade fiscal.

Na saúde, é até dispensável recorrer a números para comprovar o tamanho do desafio a ser enfrentado pelo futuro ocupante do Palácio do Planalto. Está à vista de todos o quase colapso da saúde pública, sobrecarregada inclusive pelos efeitos da recessão, que expulsou desempregados das redes privadas. Os problemas vão do esvaziamento do programa de farmácias populares à deterioração de hospitais e postos de saúde, do reaparecimento de doenças consideradas praticamente extintas, como a poliomielite, até ao inacreditável aumento da mortalidade infantil. Os candidatos, um por um, insistem na prioridade à área de saúde, mas sabem o longo caminho a percorrer para, pelo menos, caminhar em direção ao restabelecimento do sistema de financiamento da saúde.

Se é indiscutível que dinheiro não basta para fazer esse ajuste social, é inegável também que, com poucos recursos, as coisas ficam mais difíceis. Senão inviáveis.

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