quinta-feira, 23 de agosto de 2018

Maria Cristina Fernandes: Crise aprisionou eleitor junto com Lula

- Valor Econômico

No mapa da largada, o bandeirante é o mais perdido

A primeira rodada de pesquisas desde o registro das candidaturas coloca três marcos na largada da campanha:

- A estratégia petista em relação ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi bem sucedida, mas o PT não poderá errar na aposta que fizer para a transferência de voto a Fernando Haddad;

- A condição de segunda herdeira do voto lulista e sua competitividade na maior franja de indecisos, a de mulheres de baixa renda, faz da candidata da Rede, Marina Silva, a maior ameaça à manutenção do candidato do PSL, Jair Bolsonaro, na liderança do outro polo;

- O ex-governador Geraldo Alckmin não demonstra um desempenho, no centro-sul do país, capaz de compensar a muralha que se ergue contra sua candidatura na mancha eleitoral que reúne Nordeste, Norte e Centro-Oeste;

Ao manter a candidatura de Lula e ampliar para além das fronteiras nacionais a tese da perseguição judicial, o PT foi capaz de manter o ex-presidente nas manchetes e fazê-lo capitanear a indignação popular com-tudo-o-que está aí. O partido valeu-se da mesma imprensa que acusa de persegui-lo. O noticiário da alongada prisão de Lula reforçou a excepcionalidade da disputa liderada por um aprisionado. O aguçamento da crise foi capaz ainda de levar 40% do eleitorado a se sentir tão refém das instituições quanto o ex-presidente.

As dúvidas começam na capacidade de o PT operar a transferência para aquele que, de fato, é o nome do partido e o principal alvo de sua luta interna. As três pesquisas da semana, com as formulações as mais diversas de transferência de voto, colheu para o ex-prefeito índices que variam do nanismo à presença certa no segundo turno. Para firmar este cenário, no entanto, o PT terá que mostrar por que a mesma televisão que não será capaz de levantar Geraldo Alckmin levará Haddad a ser chancelado pelo eleitor como o representante de Lula na terra.

Os petistas apostam que a TV funcionará mais para Haddad do que para Alckmin. Ainda que o tucano tenha quase o triplo do tempo de que disporá o ex-prefeito, este só precisa ser conhecido enquanto o tucano tem uma imagem a recuperar, tarefa para a qual a propaganda eleitoral é menos habilitada. Proporcionalmente ao grau de conhecimento, no entanto, a rejeição de Haddad é superior àquela do ex-governador.

O muro se torna ainda mais alto porque o ex-prefeito terá um tempo reduzido como titular da chapa para reverter essa rejeição. Terá também que enfrentar um judiciário que mantém José Dirceu solto como uma vacina contra tucanos fora da gaiola, e acata uma denúncia contra o ex-prefeito pela obra de uma ciclovia. A competitividade do ex-prefeito, no entanto, pode ser resumida pela resposta de um integrante do Centrão à indagação sobre como fariam para lidar com um Haddad presidente: "Vamos dar para ele um cartão com o telefone da ex-presidente Dilma"

O candidato de Lula, prosseguem os petistas, têm mídia digital, plataforma na qual os tucanos resistem a decolar. Neste quesito, no entanto, ninguém bate Bolsonaro. Levantamento da Bytes mostra que se a eleição se restringisse a este universo, o deputado do PSL e Lula teriam os lugares trocados na preferência do eleitor. Os perfis dos candidatos à Presidência em redes sociais mostram que o deputado do PSL tem mais fãs e seguidores do que a soma de Lula e Marina, que vêm empatados na segunda colocação do mundo virtual.

A mancha eleitoral de Bolsonaro nas mídias sociais é tão acachapante quanto a do eleitorado branco, rico, de curso superior e sulista. Se o país coubesse nesse perfil, o deputado já estaria eleito. Nos 50 tons de Brasil, no entanto, cabe mais do que monocráticos bolsominions.

Se no eleitorado só coubessem mulheres com, no máximo, o ensino fundamental, Marina já teria desbancado o deputado do PSL. O recorte sugere potencial ainda inexplorado na candidatura da Rede, uma vez que é este o eleitor que hoje está mais indefinido ou disposto a anular seu voto. É nesse estrato também que se localiza a maior discrepância entre as pesquisas. O alheamento do eleitor, como era de se esperar, cresce na ausência do líder da disputa, mas as dissonâncias permanecem mesmo quando a palheta de candidatos é a mesma para todos os institutos. Chega a variar dez pontos percentuais entre o Ibope, detector de mais absenteísmo, e o Datafolha.

Para desfilar na avenida que se abriu no eleitorado feminino, no entanto, a candidata da Rede terá que ser mais assertiva e direta nos temas que tocam às mulheres. Indagada se era feminista esta semana, titubeou. Faltou-lhe a assertividade com a qual partiu para cima de Bolsonaro no debate da Rede TV com a procuração do eleitorado que dá as cartas nesta disputa. A campanha está tão pulverizada que à candidata da Rede bastaria reproduzir o desempenho que teve, tanto na campanha de 2010 quanto na de 2014, para estar no segundo turno.

Na primeira disputa, no entanto, Marina foi beneficiária da avalanche de votos religiosos que bateram em revoada da campanha da ex-presidente Dilma Rousseff nos últimos 10 dias do primeiro turno depois de uma campanha obscurantista de José Serra em relação ao aborto. Na segunda disputa, foi herdeira do espólio de Eduardo Campos, da comoção de sua morte e da estrutura de campanha de um partido com uma bancada média de deputados e cinco governadores. Além disso, em ambas as campanhas, Marina era a única terceira via de disputas polarizadas entre PT e PSDB. Desta vez, tem a concorrência de Bolsonaro e Ciro.

O candidato do PDT aparece nesta largada menos competitivo porque menosprezou a capacidade de reação do PT depois da prisão de Lula, inclusive minando os adversários de seu campo. Não se distingue nas pesquisas com dominâncias regionais, de gênero ou de renda que lhe permitam avançar no campo do petismo.

Por último e em último lugar, vem o candidato que precisa de passaporte para sair do Sudeste. O ex-governador paulista hoje não iria para o segundo turno nem se a campanha acontecesse no Estado que governou por quatro mandatos. Tem pontos que cabem nos dedos de uma mão no Estado (RS) de sua vice, e perdeu o mapa para entrar no colégio eleitoral que nasce no rio São Francisco, percorre a Amazônia e acaba no Pantanal - largada desfavorável até para um bandeirante.

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