quarta-feira, 15 de agosto de 2018

Merval Pereira: A chegada de Lula à Lua

- O Globo

Tudo é possível para tentar colocar o ex-presidente na disputa de outubro. Caberá ao TSE dirimir a dúvida

O título parece de folheto de cordel. Mas faz sentido. Corre em Brasília a informação que, de tão estapafúrdia, se confunde com fake news, de que hoje o PT vai registrar no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a candidatura do ex-presidente Lula à Presidência da República, apresentando uma certidão de antecedentes criminais de São Bernardo do Campo, que atesta que ele não tem condenação nem em primeira nem em segunda instância.

Seus advogados estariam dispostos a tentar a manobra para driblar a Lei da Ficha Limpa, pois a legislação eleitoral exige certidões criminais emitidas pela Justiça Federal de primeira e segunda instâncias, onde o candidato “tenha o seu domicílio eleitoral”.

Como a condenação de Lula ocorreu na primeira instância em Curitiba e em segunda instância no TRF-4 de Porto Alegre, ele não estaria obrigado a apresentar as certidões daquelas cidades.

Trata-se da mais clara chicana, apresentação de um argumento baseado em detalhe ou ponto irrelevante da legislação. A tramoia, se realizada, não deve prosperar, pois a eleição presidencial tem caráter nacional.

A própria defesa de Lula apresentou mais de 70 recursos ao Tribunal Regional Federal (TRF -4), ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a condenação em segunda instância, que é um fato “público e notório”, que independe de prova de acordo com o novo Código de Processo Civil (CPC).

Seu artigo 374 determina que não dependem de provas os fatos: I — notórios; II — afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária; III —admitidos no processo como incontroversos; IV — em cujo favor milita presunção legal de existência ou de veracidade. A ideia é racionalizar para que os processos tenham uma decisão em prazo mais rápido.

Fatos notórios são os de conhecimento público, de veracidade indiscutível. No entanto, especialistas exemplificam como um fato “público e notório” pode ser submetido a uma interpretação subjetiva: apesar de todas as evidências, há quem ainda garanta que o homem não foi à Lua.

Portanto, argumentar que Lula é ficha limpa seria equivalente a defender a tese de que a ida do homem à Lua é fake news. Mas tudo é possível para tentar colocar o ex-presidente na disputa presidencial de outubro. Caberá ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) dirimir essa dúvida, isto é, garantir que o homem realmente chegou à Lua.

Já há na Praça dos Três Poderes, nas imediações do prédio do Supremo, manifestações de todos os tipos, além da greve de fome de militantes do Movimento dos Sem-Terra (MST). Uma marcha a Brasília comandada pelo MST pretende pressionar os ministros tanto do TSE quanto os do STF.

A ministra Rosa Weber, que assumiu ontem a presidência do TSE no momento mais delicado politicamente dos últimos tempos, se deparará hoje mesmo com esse desafio a seu temperamento equilibrado e austero.

Interpretações
Um dia depois que o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega virou réu em Curitiba — quando o juiz Sergio Moro aceitou denúncia do Ministério Público Federal (MPF), com base na delação premiada, corroborada por documentos, de que Mantega recebeu propina para editar medidas provisórias —, a Segunda Turma do Supremo tirou da jurisdição de Moro trechos da delação da Odebrecht referentes ao ex-ministro.

A maioria formada pelos ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski aceitou o argumento dos advogados de Mantega de que os trechos não têm relação com o esquema da Petrobras. A Segunda Turma, sob os mesmos argumentos, retirou também trechos referentes ao ex-presidente Lula.

Em Curitiba, vê-se conexão entre as denúncias e a Petrobras. No caso da conta geral de propinas entre PT e Odebrecht, os procuradores entendem que o pior a fazer é separar cada pagamento e acerto, pulverizando os processos por todo o território nacional.

Além do mais, o primeiro caso da conta geral de propina foi julgado lá, e acabou condenando o ex-ministro Antonio Palocci, envolvido na mesma planilha “Italiano”.

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