segunda-feira, 13 de agosto de 2018

País tem recorde de partidos, mas fragmentação deve refluir

Brasil registra 35 legendas, contra 5 em 1983; apontada como culpada, legislação permissiva vai mudar

Simon Ducroquet | Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Quem se dispuser a ver a propaganda eleitoral neste ano vai se deparar, novamente, com um cenário partidário complexo.

Entre velhos conhecidos, siglas que viraram slogans e debutantes, serão 35 partidos políticos. Mas isso nem sempre foi assim.

Em 1983, o Congresso que assumia estava dividido em cinco partidos. Dois deles, PMDB e PDS, eram herdeiros do sistema bipartidário permitido pela ditadura, em que havia apenas o oposicionista MDB e o governista Arena.

A esquerda era representada por três partidos trabalhistas, PT, PDT e PTB. O gráfico nesta página, uma atualização da “Genealogia dos Partidos” publicada pela Folha em 2010, mostra como esses cinco partidos evoluíram ao longo das últimas décadas.

Após desmembramentos e fusões, esses partidos formaram a base das grandes legendas que detiveram hegemonia das cadeiras ao longo dos anos 90 e começo dos 2000.

Mas, nos últimos anos, eles vêm sofrendo com a ameaça de um enxame de partidos nanicos.

Aglutinados como “centro”, já que não se identificam claramente com ideologias ou programas e negociam apoio com quem estiver no Planalto, são os responsáveis pela confusão de siglas de hoje.

Bruno Bolognesi é professor de ciências políticas da UFPR (Universidade Federal do Paraná) e coordena o Laboratório dos Partidos Políticos e Sistemas Partidário, onde busca entender a forças por trás da complexa dinâmica partidária brasileira.

Ele aponta o exemplo do PRN como emblemático para entender a construção do centro.

Criado para abarcar a candidatura de Fernando Collor em 1989, ele recebeu, em curto período, vários políticos que migraram de outros partidos.

Foi o precursor de uma tendência que se tornaria uma constante na política partidária —partidos pequenos, sem uma ideologia ou projeto de país muito claros, criados de forma oportunista para fazer parte do poder. E, muitas vezes, centrados em torno de um nome forte.

Com o impeachment de Collor, em 1992, o partido encolheu drasticamente, passou a se chamar PTC e hoje não tem nenhum deputado federal.

Uma lei permissiva com a troca de legendas incentivou esse tipo de aventura, pois não impunha barreiras à migração partidária.

O professor Jairo Nicolau, da UFRJ, aponta em seu livro “Representantes de Quem: Os descaminhos do seu voto da urna à Câmara dos Deputados”, que 950 deputados federais trocaram de partido no exercício do mandato entre 1986 e 2010. Isso representa 27% dos eleitos no período.

Em 2007, o TSE decidiu que as cadeiras pertenciam ao partido, e não aos candidatos eleitos. Ou seja, deputados que mudassem poderiam perder seu mandato, que permaneceria com outro candidato do mesmo partido.

Isso, em tese, deveria ter barrado a migração entre partidos. Mas uma brecha que permite trocas de partidos quando uma nova legenda é criada fez o tiro sair pela culatra. Iniciou-se uma onda de novos partidos criados por dissidentes de legendas maiores.


Segundo Bolognesi, esse movimento foi reforçado por uma característica forte da política brasileira, o personalismo. Partidos são mais centrados em torno de pessoas do que em ideias.

Alguns políticos sentem desconforto dentro de estruturas partidárias maiores, onde decisões passam por longas discussões internas e recursos precisam ser divididos.

Eles então criam um partido para chamar de seu ou migram para um nanico.

O sistema de coligações também é um incentivo, já que permite que partidos menores se unam durante o período eleitoral, somando forças como tempo de TV e fundo para financiamento.

Com isso, eles podem dividir o quociente eleitoral e negociar presença num possível futuro governo.

Em outros países há barreiras para impedir ou desestimular movimentos que levam à fragmentação partidária. Como aponta Bolognesi, a singularidade do sistema brasileiro não é a profusão de siglas, já que muitos países possuem mais partidos que o Brasil. A diferença é que eles possuem mecanismos para impedir os muito nanicos de entrarem na Câmara.

Esse mecanismo passará a ser adotado no Brasil nas eleições de 2018. Os partidos vão precisar ter um desempenho mínimo nas urnas, de 1,5% do total de votos, ou ter pelo menos um deputado eleito em nove estados diferentes, para ter acesso a tempo na TV e fundo partidário.

Ou seja, os partidos não vão perder o direito de representatividade, mas serão impedidos de usar a máquina estatal. Nas eleições seguintes, essa barra vai subir e muitos políticos devem mudar de partido para terem acesso a mais recursos. Além disso, em 2020, serão barradas as coligações em eleições ao Legislativo.

“Estamos vivendo o ápice dessa fragmentação. Com a nova lei da cláusula de desempenho, os deputados dos partidos muito pequenos devem migrar para outros maiores”, diz Nicolau.

Para Bolognesi, esse mecanismo pode ter o efeito colateral de impedir alguns partidos minoritários e bem intencionados de participarem do Legislativo.

Mas, para ele, o efeito no geral é positivo, porque o número de oportunistas barrados será bem maior.

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