terça-feira, 14 de agosto de 2018

Retrocesso na saúde: Editorial | Folha de S. Paulo

Piora recente em indicadores indica agravamento no quadro de atenção básica

Uma crendice disseminada reza que notícia ruim nunca chega desacompanhada. Na saúde pública brasileira, a repetição de más novas —como as recentes pioras em mortalidade materna e infantil e nos índices de vacinação— parece corroborar a máxima.

Novos dados vieram à tona nesta segunda (13), na Folha: em 2016, voltou a aumentar a taxa de mulheres que morrem durante a gestação, o parto ou 42 dias depois dele por fatores associados à condição.

Em 2015, a cifra era de 62 por 100 mil nascidos vivos, patamar já muito alto. Um ano depois, o último com estatísticas disponíveis, subiu para 64,4/100 mil. Quase o triplo do observado no Chile (22/100 mil).

Não é só por comparação, contudo, que o dado preocupa. O Brasil havia assumido, e descumprido, a meta de reduzir a mortalidade materna em 75% até 2015.

Deveria ter recuado para 35/100 mil, mas ficou distante disso. Agora retrocede, tanto no indicador quanto no compromisso, reformado para uma diminuição de 50% até 2030, ou 30 mortes/100 mil.

Vários fatores estariam a concorrer para os óbitos (embora a literatura estime que 92% são evitáveis).

Mesmo mulheres com acesso a exame pré-natal e sem detecção de problemas podem demorar a procurar ajuda em caso de complicações imprevistas. Quando se decidem a fazê-lo, ocorre de perderem muito tempo no trajeto até unidades de saúde capacitadas, ou para serem nelas atendidas.

Lamentavelmente, a piora em mortalidade materna vem compondo um padrão coerente com o verificado na taxa de mortalidade infantil. Esta subiu 5% entre 2015 e 2016, indo de 13,3 para 14 por 100 mil crianças nascidas vivas. O retrocesso foi atribuído ao impacto do vírus da zika e ao recuo nos índices de cobertura vacinal.

Há quem correlacione a evolução desfavorável com o corte de gastos do governo federal em decorrência do teto de despesas adotado em 2017, mas a associação é indevida. As estatísticas a suscitar alarme em saúde são do ano anterior.

De todo modo o país já vinha em recessão desde 2014, com consequente quebra de arrecadação e alguma redução nas verbas para saúde. Estas, no entanto, permaneceram em um nível superior ao do início da década.

Cabe ainda mencionar que já havia ocorrido piora no índice de mortalidade materna em 2013, quando os dispêndios estavam em ascensão. No mesmo ano surgia o programa Mais Médicos, o qual, supõe-se, deveria ter melhorado a atenção básica à saúde —em contradição enigmática com a decepção trazida pelos indicadores.

Seria simplista atribuir a perda de terreno só ao recuo nos gastos. Um bom diagnóstico, necessário para indicar a conduta mais adequada a seguir, precisaria considerar e quantificar também o grau de ineficiência das políticas adotadas.

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