domingo, 12 de agosto de 2018

Samuel Pessôa: Trilhos do desenvolvimento

- Folha de S. Paulo

Nosso subdesenvolvimento tem sido construído por nós mesmos, não por gringos

Acaba de ser publicado, pela editora Alfaiatar, o livro “Trilhos do Desenvolvimento: As Ferrovias no Crescimento da Economia Brasileira 1854-1913”, do historiador econômico e professor da Universidade da Califórnia William Summerhill.

Summerhill documentou, a partir de um meticuloso estudo empírico, a importância do impacto econômico das ferrovias no desenvolvimento brasileiro em 1913.

Esse resultado não era óbvio.

Estudo equivalente, do Prêmio Nobel de Economia e historiador econômico Robert Fogel, mostrou que o impacto das ferrovias na segunda metade do século 19 não foi relevante para o desenvolvimento americano.

O achado de Fogel surpreende quem se acostumou com os “westerns”, seus mocinhos, bandidos e ferrovias.

A intuição desse resultado deve-se ao fato de os EUA serem muito bem-dotados de transporte —duas costas, grandes lagos, longa extensão de rios navegáveis e topografia favorável às diligências e charretes—, de sorte que o ganho adicional das ferrovias não foi muito intenso.

No Brasil, por ser pessimamente dotado de vias naturais de transporte —temos somente a costa e a topografia é desfavorável—, as ferrovias substituíram as tropas de mula, com enorme ganho.

As ferrovias permitiram que o PIB fosse, em 1913, de 18% a 38% maior do que seria caso não existissem.

Desde os trabalhos do historiador econômico americano Nathaniel Leff, nos anos 1960 e 1970, sabemos que um dos grandes impedimentos ao desenvolvimento do Brasil no século 19 foi o elevado custo de transporte. As ferrovias eliminaram essa barreira.

Bill documenta que, ao contrário da visão tradicional, as ferrovias ao longo do tempo aumentaram o transporte de cargas domésticas, contribuindo, portanto, para o desenvolvimento do mercado doméstico.

A implantação das ferrovias no Brasil no segundo Império e na República Velha representou exitoso exemplo de parceria público-privada.

Já fomos melhor em regular serviços de utilidade pública.

Não há evidências de que as ferrovias privadas, tanto as de capital estrangeiro quanto as de capital nacional, tenham se beneficiado de lucros exorbitantes, além de os retornos sociais terem sido sempre superiores aos retornos privados.

Adicionalmente, há evidência de que as ferrovias de capital público geraram baixíssimo retorno e, portanto, pesaram sobre os ombros dos contribuintes.

Outros estudos têm comprovado esse resultado.

Dissertação de mestrado de Marcelo Jourdan mostrou que a empresa canadense Light, responsável nos anos 1930 pela geração de energia elétrica, transportes urbanos e telefonia nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, não obteve retornos extraordinários.

Além disso, é provável que o controle tarifário muito pesado, principalmente após o Estado Novo com Getúlio Vargas, tenha levado à estatização do setor. Os acionistas da Light não exploraram o consumidor brasileiro.

Em época eleitoral, quando alguns candidatos, especialmente Ciro Gomes (PDT), apresentam-se à sociedade com um discurso mofado de “perfeito idiota latino-americano” —“vou reestatizar os blocos de petróleo leiloados!”, “não se entregam os cursos d’água!” etc.—, é útil olharmos os exemplos históricos.

Nosso subdesenvolvimento foi e tem sido construído meticulosamente por nós mesmos ao longo das décadas.
Não há exemplo de gringo que tenha nos explorado. Somos os únicos responsáveis pela nossa miséria.
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Samuel Pessôa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e sócio da consultoria Reliance. É doutor em economia pela USP.

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