quarta-feira, 29 de agosto de 2018

Trump consegue cindir Nafta e impor negociação bilateral: Editorial | Valor Econômico

O presidente Donald Trump obteve uma duvidosa vitória na segunda-feira, ao arrancar mais concessões do México do que aquelas previstas no Nafta, o acordo de livre comércio da América do Norte. Como tudo que envolve Trump, há ambiguidades e confusão nessa história. Os EUA estavam negociando com México e Canadá a reformulação dos termos do acordo, que Trump desde sua campanha eleitoral acha péssimo. Em seguida, em um estalo da turma protecionista do presidente, os EUA insistiram em uma negociação bilateral, que os dois parceiros rejeitaram. Agora, o México cedeu, com a benção do nacional Andrés López Obrador, novo presidente que tomará posse em dezembro.

O chanceler mexicano, Luis Videgaray, sacramentou o abandono do Canadá à própria sorte, ao dizer que mesmo sem sua adesão haverá um acordo EUA-México. "Incertezas trilaterais foram substituídas por incertezas bilaterais", disse, em uma boutade do mesmo nível da de Trump, no mesmo dia, ao não mencionar o termo Nafta porque tem "má reputação". Como Trump se acostumou a ameaçar antes os países com quem negociará depois, ele afirmou, sobre o Canadá, que "a coisa mais fácil a fazer é impor tarifas nos carros que venham de lá".

Os investidores se entusiasmaram com o obscuro acordo, ao assumir que dessa maneira Trump não só não destruiu o Nafta como ainda demonstrou flexibilidade, um sinal de que a guerra comercial com a China pode terminar em breve, com mútuo entendimento. Essa visão não tem bases sólidas. O mandato que Trump ganhou do Congresso foi para negociar com os países do Nafta e não para acordos bilaterais. Ele teria então de aprovar novo acordo antes de eleições, em que seu partido pode perder a maioria na Câmara dos Deputados, e há pouco tempo hábil para tentar aprovar o que foi acertado com o México este ano.

Trump simplesmente está mexendo com as regras da maior zona de livre comércio do mundo, reunindo PIB de US$ 23 trilhões e um fluxo comercial interno de pouco mais de US$ 1 trilhão. Trump esbraveja contra antigos parceiros, mas o déficit com o México é quase todo ele resultado da importação de carros e, com o Canadá, da compra de petróleo, do qual é o principal fornecedor americano.

Os EUA dobraram o México na questão dos automóveis, que teve por muito tempo só fabricantes americanos do outro lado da fronteira, mas que passou a abrigar intrusos asiáticos - Nissan e Mazda produzem 1,1 milhão de carros no país - e fabricantes europeus, como Volkswagen, Mercedes e BMW. Trump quer impedir esta turma de pegar carona mexicana rumo a seu mercado. Por isso, o acordo elevou de 62,5% para 75% o conteúdo regional dos veículos que entram nos EUA livres de tarifas. Dois terços da produção mexicana passam nesse teste. De 40 a 45% do conteúdo terá de vir de empresas que paguem pelo menos US$ 16 a hora trabalhada, o que garante primazia de fábricas americanas no fornecimento, tolhendo concorrentes que foram ao México em busca de baixos salários.

O México, ao ceder a parte das pretensões de Trump, protegeu suas exportações - 82% do total vão para os EUA. Seus carros estarão protegidos pelo acordo de qualquer eventual imposição de tarifas sobre automóveis por motivo de segurança nacional, que Trump ameaça aplicar sobre outros países, ultrajando Canadá e aliados europeus.

O Canadá terá de entrar na discussão para defender o Nafta em situação desfavorável, a partir das concessões que o México fez e que podem não ser de seu interesse. Embora dirija ao mercado americano 76% de suas exportações, os canadenses têm poder. Compram mais de US$ 600 bilhões em mercadorias americanas, mais do que China e Japão juntos. Trump, por outro lado, despreza as cadeias produtivas integradas em grande parte por empresas americanas no Canadá e no México. No total das exportações dos EUA para o mundo, os principais fornecedores dos insumos são Canadá e México.

A jogada de Trumperialize, despreza o quadro de relações produtivas do bloco e pode criar mais desorganização que benefícios, exceto para os beneficiários diretos de seu protecionismo. De qualquer forma, suas manobras espalhafatosas buscam, como efeito colateral, desfazer a impressão de que as investigações sobre a conexão com a Rússia de sua turma na campanha eleitoral aproximam-se cada vez mais dele. Além disso, seu empenho em criar vitórias, é a consciência aguda de que um trunfo democrata em novembro diminuirá fortemente seu poder político.

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