segunda-feira, 3 de setembro de 2018

Alberto Aggio: Do antipetismo à antipolítica e suas diversas facetas

Nas manifestações pelo impeachment de Dilma Rousseff, em 2015/16, havia de tudo. Dentre os diversos grupos que se manifestavam, havia um bastante ruidoso, com certo tom beligerante, agressivo, que advogava abertamente a intervenção militar, junto com alguns outros. Era o “Revoltados on-line”. De lá para cá, o que os animava se desdobrou para além do impeachment: eles passaram a se apresentar como a redenção da sociedade “contra a política que está aí”, entendida como integralmente manchada pela corrupção. Esse rechaço à política propugnava por uma ação “antipolítica”, identificando “todos os políticos” como corruptos. Para eles, esse era afetivamente o “mal do Brasil”. Aquilo que era latente na sociedade acabou sendo então promovido à uma estratégia política que se afirmava, sinteticamente, como uma visão da sociedade contra o Estado (políticos). No fundo, uma revolta da sociedade contra a política.

Esses grupos atuaram nas redes sociais como a oposição a tudo, semeando o ódio a tudo e a todos. Sua ação permanente extrapolou a oposição ao PT. Eles nasceram do antipetismo mas foram além disso. O resultado está aí na candidatura Bolsonaro. É ele quem mais expressa essa beligerância, identificando o ódio à política e à esquerda em geral, como se o petismo fosse a única esquerda existente. Política, esquerda, petismo, comunismo e até a socialdemocracia foram e são identificados como os males do Brasil que precisam ser extirpados.

Vindos daquele mesmo processo do impeachment, outros movimentos de 2015/16 também passaram a ocupar um lugar na política. Não é o caso aqui de discutir todos eles. Quero mencionar apenas o “Vem pra Rua”, um movimento antipetista mas que, de outras maneiras se postou também como antipolítico por meio da ideia de que sem mudar já e radicalmente o sistema político, não iria haver alternativa para o país. E mudar já e radicalmente significava deslocar a “velha classe política” e colocar em seu lugar “o novo”. Ao lançarem-se à disputa eleitoral, será o Partido Novo quem melhor irá expressar essa disposição. O resultado é, até o momento, menos exitoso em termos eleitorais, se compararmos com o “Revoltados On-line”. É uma adesão à antipolítica por outros termos e meios, mas curiosamente há coincidências entre ambos.

De fato, a antipolítica dos nossos tempos apresenta várias facetas. Uma delas é ter nas propostas neoliberais um grande aliado. Assim, em Bolsonaro e em Amoêdo, por exemplo, aparece a mais recente combinação desses dois campos: querem acabar com a escola pública e gratuita até o ensino médio, determinação presente na Constituição de 1988. Falam em ensino a distância e em “vouchers” a serem distribuídos aos pais para que estes escolham a escola que bem entenderem para colocarem seus filhos.

Além de ser uma proposta dificílima de ser aprovada no Congresso, é também um engodo: visa atrair o apoio da classe média com a fábula de que havendo menos serviços públicos prestados pelo Estado, menos imposto se pagará. Pior do que isso, como o mercado educacional não é elástico, seria jogar os filhos das classes populares fora da escola ou piorar mais ainda as condições das escolas públicas. No Chile pinochetista, que adotou modelo semelhante, houve mediações importantes depois da saída do ditador, que os candidatos não mencionam, por não saberem (o que é provável) ou por sonegarem essa informação. Vale dizer também que esse modelo está sendo revisto pelos últimos governos chilenos, sejam eles de centro-esquerda ou centro-direita.

No que se refere ao Brasil, convém atentar para o fato de que a política democrática da Constituição de 1988 é o referente não apenas do nosso Estado de Direito como também daquilo que ainda nos resta de Estado Social. Na visão dessas duas candidaturas da direita brasileira (distintas entre si, pois uma é abertamente antidemocrática e a outra mantêm-se nos marcos da democracia) não há mais (ou não deve haver) a relação entre Estado e Sociedade e sim entre Estado e indivíduos (contribuintes). O fundamento de ambos é estritamente neoliberal, destacando-se mais em Amoêdo do que em Bolsonaro.

Não é o caso aqui de nos empreendermos numa controvérsia estéril sobre direita e esquerda. E nem imaginarmos que no chamado campo democrático não existam diferenciações importantes. O Manifesto por um Polo Democrático e Reformista está seguramente bastante distante dessas propostas. Além do que, nessas eleições, a socialdemocracia tem candidato e defende outras iniciativas para a melhoria da educação e da vida social. Assim, é preciso estar atento para não cair no canto de sereia da antipolítica misturada com o neoliberalismo.

O nosso momento eleitoral é francamente favorável à antipolítica. O rechaço aos políticos e aos partidos está estabelecido em corações e mentes, com razões para isso ou não. Em algumas proposições o rechaço à política se confunde com rechaço à democracia, seja ela vista por qualquer viés que se queira.

A antipolítica leva a muitos caminhos, com maior ou menor êxito, e hoje, a “fortuna” parece lhe sorrir. Mas a história é pródiga em anotar que nada é tão simples assim. Girolamo Savonarola, na Firenze dos Medici, parecia um moralista invencível ao chegar ao poder, mas durou pouco, isolou-se e terminou na fogueira. Mussolini e Hitler quiseram reinventar tudo a partir da sua potência vital e primária, e sabemos no que deu. Mesmo derrotados, Maquiavel e Gramsci podem nos auxiliar com suas anotações críticas na hora presente. É preciso olhar para além dos discursos grandiloquentes e conseguir construir perspectivas realistas, isolando tanto as nostalgias do passado quanto aqueles que parecem ver uma única solução para a profunda crise que vivemos.
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Alberto Aggio, professor titular de História da Unesp/Franca,

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