terça-feira, 11 de setembro de 2018

Celso Lafer: Intelectual dedicado aos desafios da América Latina

- O Globo

Jaguaribe foi patrono inaugural do pensamento acadêmico brasileiro sobre relações internacionais

Helio Jaguaribe, que acaba de nos deixar, integrou uma admirável geração de pensadores do nosso país que teve como tema compartilhado uma sensibilidade própria em relação à formação e ao destino do Brasil.

Exerceu com brio e convicção republicana o papel do intelectual público. Empenhou-se, tendo em vista a relação entre os intelectuais e a política no mundo contemporâneo, tanto em propor rumos, quanto em elaborar conhecimentos aptos a converter os rumos propostos em políticas públicas. A “ideia a realizar” que o norteou na sua obra, nas instituições que criou, nos seus artigos e intervenções, na lógica de um fecundo diálogo entre o nacional e o universal, foi a de explicar e clarificar o porquê e o como promover a racionalidade, para ampliar democraticamente, com liberdade e igualdade, o poder de controle da sociedade brasileira sobre o seu destino.

O impacto da presença de Helio na vida pública e intelectual do nosso país, devidamente lastreada na profundidade dos seus conhecimentos, tem muito a ver com a fulgurante inteligência do seu poder de síntese e a originalidade contagiante de suas formulações. Helio foi uma encarnação da razão vital orteguiana, que, como ele disse, tem a dupla função de orientar a nossa vida no mundo, de orientar-nos no entendimento do mundo através da nossa vida.

Nessa tarefa seguiu o ensinamento de Santo Agostinho para o qual a transcendência é o processo em virtude do qual um ser, permanecendo o que é, ultrapassa a si mesmo. Sua opção foi assim no sentido de orientar a sua vida por normas ético-sociais válidas e relevantes e, por outro lado, tentar um esforço de compreensão da vida e do mundo. Nesta última vertente, seguiu no correr dos anos o lema que formulou em 1953: “Compreender o nosso tempo na perspectiva do Brasil/ Compreender o Brasil na perspectiva do nosso tempo”.

Helio foi um pensador que, por aproximações sucessivas, com empenho de scholar, foi sistematizando e desenvolvendo as percepções e intuições da sua razão vital. A sua obra é a de maior escopo de sua geração. Alargou os horizontes e elevou o patamar da ciência política em nosso país. Foi patrono inaugural do pensamento acadêmico brasileiro sobre relações internacionais. Dedicou-se aos problemas e desafios da América Latina, tornando-se um intelectual brasileiro com ampla irradiação na região. São de grande fôlego suas incursões no âmbito da sociologia da História que, a partir das inquietações do presente, está voltada para elucidar os fatores que asseguram ou comprometem a sustentabilidade de culturas e civilizações. São lúcidas as suas reflexões sobre os desafios existenciais, inerentes à Antropologia Filosófica.

Helio foi, na sua admirável trajetória, uma personalidade generosa, solar e de indiscutíveis virtudes, a quem cabe a qualificação de um grande brasileiro. Foi meu mestre e um querido amigo desde os meus tempos de estudante universitário, a quem evoco neste texto com o mais denso sentimento de saudade.
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Celso Lafer é professor emérito da USP e membro da ABL

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