quarta-feira, 5 de setembro de 2018

Elio Gaspari: Só uma greve salva os museus

- O Globo

Aqui vai uma sugestão para os milhares de servidores públicos que trabalham em museus federais, estaduais e municipais: a partir de hoje, organizem comissões e peçam aos seus diretores que lhes mostrem o alvará do Corpo de Bombeiros que autoriza o funcionamento da instituição. Não tem? Venceu? Tudo bem, declarem-se em greve e só voltem ao trabalho quando vier o alvará. O Museu Nacional havia sido inspecionado pelo Corpo de Bombeiros há dez anos. Diante do fogo, dos hidrantes não saía água.

É isso ou, infelizmente, todos os servidores serão cúmplices do próximo incêndio. O Museu Nacional estava vendido há mais de uma década. Pegou fogo no ano do 40º aniversário do incêndio do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, mantido pela elite carioca. Em 1972, a ditadura desfilou os restos mortais de Dom Pedro I pelo país, até que os colocou numa cripta no Museu do Ipiranga, em São Paulo; 20 anos depois, ela era mictório de mendigos. A instituição está fechada porque o prédio ameaçava desabar, e a Universidade de São Paulo liberou apenas 3,2% da verba destinada à sua recuperação.

Quem viu as primeiras reações dos hierarcas da burocracia cultural diante da tragédia da Quinta da Boa Vista teve o sofrimento adicional de ser tratado como cretino. O incêndio foi um acidente previsível, mas ainda assim foi um acidente. A estupidificação oferecida pelos hierarcas foi empulhação deliberada. Foram muitos os que seguiram uma linha de argumentação parecida com a do ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, queixando-se da falta de atenção “do conjunto da sociedade” para defender a cultura nacional. Outro hierarca disse que “faz parte da cultura brasileira um certo desprestígio” pela memória nacional.

Como diria a Baronesa Thatcher, esse negócio de sociedade não existe. Existem homens, mulheres e famílias. A “sociedade” nada teve a ver com o desastre. Também não existe uma vaga “cultura brasileira”. Transferir a responsabilidade para a choldra que paga impostos é pura empulhação. Os responsáveis pela grandeza e a ruína do Museu Nacional foram seus diretores e os reitores da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Podiam ter tomado uma atitude: pedir demissão denunciando os responsáveis pelo estrangulamento das instituições. Foi isso que o médico Adib Jatene fez quando viu que negavam recursos para o Ministério da Saúde.

Nos últimos anos, o Rio de Janeiro inaugurou dois novos museus, o do Amanhã e o de Arte. Ambos foram festejados por servidores que sabiam o grau de degradação do Museu Nacional. Numa conta feita em 2003, no triângulo Rio-Niterói-Petrópolis existiam 108 museus. Roma tinha 104. Nova York e Washington, juntas, não somavam cem. Por quê? Porque quando se cria um museu, mesmo que ele não tenha acervo, nomeia-se um diretor. No século passado um ilustre romancista e acadêmico visitou o Museu Nacional de Belas Artes antes de assumir sua direção. Ao saber que não ganharia um carro oficial, desistiu do cargo.

Inaugurar museu dá prestígio e cria cargos. Conservá-los é outra história. O Brasil não tem dinheiro para sustentar milhares de museus, e centenas deles funcionam em horários que afugentam visitantes.

No caso do Museu Nacional, construiu-se uma ladainha, segundo a qual um patrocínio de R$ 21,6 milhões do BNDES poderia ter salvo o Museu Nacional. Lorota. Parte desse dinheiro, a ser ser liberado ao longo de anos, seria usado para um projeto de proteção contra incêndio. Projeto, nada a ver com obra.

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