terça-feira, 18 de setembro de 2018

Fernando Exman: Brincando com fogo

- Valor Econômico

Questionar legitimidade do pleito fomenta crise

Candidatos e partidos precisam ter claro, neste momento de recrudescimento da disputa eleitoral: minar o respeito ao resultado que sairá das urnas no mês que vem é pavimentar o caminho para a barbárie política e a manutenção, pelo menos a médio prazo, da crise econômica em que o Brasil se encontra.

Objeto de estudo de teóricos da academia e motivo de preocupação permanente de políticos profissionais, o conceito de legitimidade se tornou um dos protagonistas desta etapa da campanha eleitoral. O tema voltou à agenda do dia, almoços de família, mesas de bar e redes sociais. Só parece não estar sensibilizando devidamente quem teria por obrigação rechaçar qualquer forma de se colocar em xeque a lisura do resultado que surgirá das urnas no mês que vem.

A responsabilidade política primordial de quem decide entrar numa disputa é aceitar as regras do jogo ou questioná-las no devido tempo e pelos meios adequados. Do leito do hospital em que se recupera de um atentado, Jair Bolsonaro (PSL) afirmou estar preocupado em perder "na fraude". A declaração ganha maior relevância não só pelo fato de ele ocupar a dianteira das pesquisas de intenção de voto, mas pelo fato de a facada desferida contra o ex-capitão ter levado militares da ativa e da reserva a questionarem a legitimidade de um próximo governo.

Não é de hoje que Bolsonaro contesta a confiabilidade das urnas eletrônicas. Ele é autor de proposta que implementaria a volta do voto impresso, iniciativa que passou pelo Congresso mas não prosperou na Justiça. Mesmo assim, não mobilizou ação prática de correligionários e aliados nos testes públicos promovidos pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que buscaram comprovar a segurança do sistema brasileiro de votação.

Bolsonaro não é o único. O candidato do Patriota, Cabo Daciolo, também tem essa como uma de suas bandeiras. Entre um retiro e outro nas montanhas, tem criticado a Justiça Eleitoral, o voto eletrônico e apontado o risco de fraude, caso não sejam adotadas cédulas de papel nestas eleições.

A tibieza da reação dos demais candidatos às declarações de Bolsonaro e Daciolo demonstra que há mais responsáveis pelo clima de desconfiança em que a disputa presidencial está envolta. Outros dirigentes partidários também têm questionado a solidez do sistema político e eleitoral, contribuindo assim para a ruína da imagem da classe política e a crescente rejeição do eleitor aos seus representantes.

Na teoria, a legitimidade é um atributo essencial do Estado e do governante para exercer o poder e garantir a obediência da população sem recorrer ao uso da força. Tal integração entre o Estado e o cidadão se dá não só pelo reconhecimento da legalidade dos fatos e atos que levaram determinado governante ao poder, mas também à crença de que este exerce e exercerá seu mandato dentro das regras previstas no regime político. É justamente esse sistema normativo que preserva as instituições, regula a luta pelo poder e garante a atuação da oposição.

Na prática, contudo, nos últimos anos o brasileiro viu o PSDB cobrando da Justiça Eleitoral uma auditoria do pleito que levou à reeleição da ex-presidente Dilma Rousseff, em 2014. Envergonhados, depois de refazerem as contas, tucanos passaram a desconversar sobre o assunto e tiveram de reconhecer que não houve fraude alguma.

O PT repetiu durante meses o mantra segundo o qual "eleição sem Lula é fraude". Amparados em pesquisas que apontavam a capacidade dessa estratégia de unir o eleitorado petista na fase preliminar à campanha de primeiro turno, dirigentes da legenda levaram à exaustão todos os recursos para tentar garantir o nome do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas urnas. No entanto, como previsto, o PT não só substituiu Lula por Fernando Haddad na cabeça de chapa, como agora, com o crescimento do ex-prefeito de São Paulo nas pesquisas de intenção de voto, critica qualquer questionamento à lisura do pleito.

Há ainda os candidatos que não querem nem saber qual será o perfil do próximo Congresso e já antecipam: se eleitos, buscarão governar apenas "com os melhores", por meio de consultas populares ou referendos.

Diante da omissão da classe política, o Judiciário deveria chamar a responsabilidade para si. É verdade que teria maior facilidade para executar essa missão, caso não houvesse contribuído para o acirramento desse clima de desconfiança, ao inviabilizar a impressão do que será digitado pelos eleitores nos dias 7 e 28 de outubro, sob o argumento de que a medida poderia colocar em risco o sigilo do voto.

Seja qual for o resultado colhido das urnas, o próximo presidente precisará adotar imediatamente um discurso de pacificação e união nacional. Os candidatos derrotados devem evitar o caminho mais fácil, o de colocar em xeque o resultado do pleito.

Com o enfraquecimento e a crise das instituições, há o risco de a legitimidade de um futuro governo estar assentada apenas na pessoa do presidente da República, suas supostas qualidades individuais e carisma. Receita perfeita para o surgimento de governantes populistas, a contratação de crises futuras e novamente a frustração de um processo sustentável de recuperação econômica.

Voto útil
Aposta da candidatura do PSDB para reagir e conseguir passar ao segundo turno da eleição presidencial, o voto útil enfrenta até agora um obstáculo prático.

Na visão de tucanos, o cenário mais favorável seria uma eventual desistência de Henrique Meirelles (MDB), João Amoêdo (Novo) ou Alvaro Dias (Pode) em favor de uma frente de centro-direita capaz de aglutinar apoios suficientes para ultrapassar o PT no primeiro e derrotar Jair Bolsonaro no segundo turno.

Alvaro Dias tem mandato de senador até 2023 e, portanto, nada a perder permanecendo numa disputa nacional. Meirelles e Amoêdo estão pagando suas respectivas campanhas com recursos próprios. Podem até, desta vez, terem investido mal. Mas não costumam rasgar dinheiro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário