segunda-feira, 24 de setembro de 2018

Fernando Limongi: Estratégia bovina

- Valor Econômico

Pregação em favor da moderação e bom senso chegou tarde

"Eu peço para que vocês se coloquem no lugar do presidiário, que está lá em Curitiba com toda a sua popularidade, com toda a sua possível riqueza, com todo seu tráfico junto a ditaduras no mundo todo que se autoapoiam, em especial em Cuba. Você aceitaria passivamente, bovinamente, ir para a cadeia? Você não tentaria uma fuga? Bem se você não tentou fugir, com tudo a teu lado, é realmente porque você tem um Plano B. Qual é o Plano B desse presidiário? (...) Eu não consigo pensar em outra coisa a não ser que o Plano B se materialize em uma fraude, não favorável ao Lula, ou melhor, favorável ao Lula."

Depois de uma semana sem poder se comunicar com seus eleitores, sem fazer campanha, foi esta a mensagem que Jair Bolsonaro decidiu transmitir a seus eleitores. O vídeo de 20 minutos não traz uma palavra sequer sobre educação, saúde, emprego ou economia.

Sem fazer campanha e sem apresentar propostas concretas, Bolsonaro não para de crescer nas pesquisas. Há algo de errado aqui.

Quem analisar a fala do capitão concluirá que lógica não é o seu forte. Se o cara não quer fugir, então é porque ele vai fraudar a eleição. Não é fácil entender como uma coisa decorre da outra. Mas esse não é o ponto. A mente do capitão é dada a devaneios conspiratórios, mas quem se importa com isso?

Bolsonaro declarou sua incapacidade e despreparo inúmeras vezes, e não apenas na economia, mas sobre todos os temas sobre os quais foi perguntado. O que fazer com a educação? Acabar com a influência de Paulo Freire. O que fazer com o SUS? Mandar os médicos cubanos de volta para casa.

Quem quer que tenha se dado ao trabalho de ouvir o que Bolsonaro tinha a dizer, qualquer pessoa sensata e de posse da sua razão, concordará com a avaliação do seu companheiro de chapa quanto à boçalidade reinante em seu entorno. Mas alguém se importa? Não, importa que ele se apresente como o único capaz de derrotar o PT. O resto é acessório, questão que se resolve mais tarde.

Sempre que perguntado sobre questões técnicas, o candidato sai pela tangente e apela ao 'Posto Ipiranga'. Que se saiba, por enquanto, Paulo Guedes é o único frentista disposto a por gasolina a mando do capitão. Para as demais áreas, Bolsonaro ainda não conseguiu achar um universitário para chamar de seu. Não importa.

Guedes, portanto, seria a única promissória entregue pelo candidato como garantia de que abjurou suas velhas crenças. Por que confiar que Guedes vai tourear o candidato que chama de um 'animal tosco'?

Não faz muito tempo, o deputado subiu à tribuna para pregar o fuzilamento dos responsáveis pela privatização da Vale do Rio Doce. Essa e outras tantas barbaridades são convenientemente esquecidas em nome do interesse maior, o de derrotar o PT, cujos erros, diferentemente, seriam imperdoáveis. Quando Dilma Rousseff chamou Joaquim Levy para arrumar seu governo, o mercado reagiu com descrédito e desconfiança. Mas basta Bolsonaro anunciar os préstimos de Guedes para que seu passado seja esquecido.

Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor do Banco Central, em entrevista à "Folha de S.Paulo", sintetizou melhor do que ninguém a diferença. Perguntado sobre os acenos de Fernando Haddad ao mercado, o economista desconversou: "É difícil dar a eles o benefício da dúvida". Já quanto a Bolsonaro, o entrevistado só enxerga convicção, pois "ele diz claramente que há um problema desde o início da campanha." A equipe de Bolsonaro seria de "primeiríssima linha", ainda que, reconheça, "em formação e aprendendo a trabalhar junto."

O fato é que Bolsonaro sequer procura vender gato por lebre. Em seu vídeo, foi direto ao ponto: "Tão ou mais grave que a corrupção, é a questão ideológica." Mesmo sabendo que não há almoço grátis, os economistas de plantão parecem ter critérios distintos para decidir para quem se prestarão a servir o chá. Para parafrasear o conhecido refrão: "É a ideologia, estúpido!"

Bem considerada as coisas, pouco se ouviu de Paulo Guedes e seus planos mirabolantes para acabar com o déficit público e reformar a Previdência. O economista, gato escaldado, houve por bem não comparecer ao 'Roda Viva' na segunda-feira. Mas bastou que suas ideias vazassem para que o clã Bolsonaro lhe impusesse um vexatório toque de recolher. Na sexta-feira, quem foi à Amcham para ouvir Paulo Guedes bateu com a cara na porta. O economista está sendo amansado pelo candidato tosco.

A pregação em favor da transigência, da moderação e do bom senso chegou tarde. Como declarou Tasso Jereissati, o centro cometeu suicídio ao aderir à oposição radical, começando pelo apoio à tese da fraude das urnas eletrônicas. A lista de erros estratégicos é enorme e não pode dispensar a contribuição decisiva dos formadores de opinião, sempre dispostos a pregar a via do antagonismo radical. A moderação cedeu lugar à lógica bipolar de Bolsonaro.

Desta feita, a elite não poderá culpar o povo e sua alegada incapacidade para usar a razão na hora de votar. A principal base de apoio a Bolsonaro são homens ricos e educados, o tal 'pessoal do mercado' que o procurou pedindo que incluísse a economia no seu discurso. Essa é a base que viabilizou e vem apoiando a sua candidatura.

Em todas as pesquisas, o apoio a Bolsonaro cresce com a renda e com a educação. No último Datafolha, entre os 5% mais ricos, isto é, entre aqueles cuja renda familiar passa de 10 salários mínimos ao mês, o capitão obtém 39% dos votos. Neste grupo, seu apoio cresceu 9 pontos desde o atentado contra o capitão. Se colher mais uma derrota, algo provável no atual cenário, a direita só terá a si mesma para culpar.

Bolsonaro, contudo, ainda não assegurou sua passagem ao segundo turno. Entrevistado por "El País", o estatístico Paulo Guimarães, conhecido como "guru" de campanhas, observou que Bolsonaro ainda corre o risco de derreter como Celso Russomanno em 2012.
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Fernando Limongi é professor do DCP/USP, da EESP-FGV e pesquisador do Cebrap.

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