sexta-feira, 14 de setembro de 2018

Gaudêncio Torquato: Nossa democracia não está morrendo

- Folha de S. Paulo

Ascensão de candidato autoritário faz parte do jogo

As democracias estão morrendo devagar. Líderes eleitos não se comprometem com os valores democráticos, como Donald Trump, o primeiro presidente dos EUA "com inclinações autoritárias" escolhido em cem anos, e pode ocorrer o mesmo no Brasil com eventual vitória do capitão da reserva Jair Bolsonaro, "candidato que tem palavras e comportamentos que não se adequam à democracia". São palavras de Steven Levitsky, em recente entrevista ao jornal O Globo. Ele e Daniel Ziblatt, ambos professores de Harvard, são autores do livro "How Democracies Die" ("Como as Democracias Morrem").

A hipótese corresponde efetivamente ao que se enxerga na moldura democrática internacional ou se trata de um fenômeno cíclico, cuja emergência ocorre ao longo da história das nações? A eleição de figuras polêmicas, de índole conservadora e com propensão autoritária, não faz parte do jogo democrático?

No caso brasileiro, vale lembrar que nossa incipiente democracia, ao longo da história, entremeou ciclos autoritários e democráticos.

A primeira Constituição, a de 1891, abrigava princípios libertários, com direitos individuais preservados até 1930, quando se abriu o ciclo ditatorial de Vargas, cujos desajustes conduziram à centralização autoritária expressa na Constituição de 1937.

Os anos de arbítrio se estenderam até 1945, quando o país ganhou a Carta Magna de 1946, reabrindo as portas da democracia. Sua vigência se deu até o golpe militar de 1964, que durou 21 anos, terminando em 1985. Em 1988, inaugura-se o ciclo da redemocratização, e o país fortalece o escopo da cidadania com a Constituição mais avançada de sua história.

Portanto, a intermitência entre liberdades e opressão, autoritarismo e democracia, ao que se constata, faz parte do abecedário político da maioria dos países da América Latina, que não possuem instituições capazes de representar os múltiplos interesses da sociedade organizada e de assegurar a consolidação democrática.

As crises econômicas, por seu lado, têm contribuído para agravar a governabilidade, gerando instabilidades cíclicas. Dessa forma, os sistemas democráticos do continente, que o cientista político argentino Guilherme O'Donnell designa de democracia delegativa, acabam se fragilizando.

Urge lembrar que até a velha Europa vê fenecer suas frentes democráticas, seja em função da crise propiciada pela globalização econômica, seja pelo arrefecimento dos mecanismos clássicos da política --crise das ideologias, dos partidos, dos Parlamentos, das oposições.

Ante essa moldura, o que esperar da democracia brasileira se não uma gangorra no sistema de mandos e comandos? Se o lulopetismo fez ou não bem ao país, que passe pelo teste das urnas. Se o bolsonarismo, com sua defesa autoritária, fará um bom governo caso seu ícone se eleja, é uma questão a ser respondida pelo eleitor. Esse é o jogo democrático. Sob essa crença, a democracia brasileira não está morrendo.
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Gaudêncio Torquato, jornalista, professor titular da USP e consultor político

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