quinta-feira, 13 de setembro de 2018

Instabilidade previsível e ainda moderada nos emergentes: Editorial | Valor Econômico

A instabilidade das moedas e ativos financeiros dos países emergentes se agravou desde que os investidores castigaram a Turquia, primeiro, e depois a Argentina. A África do Sul entrou em recessão, algo que não acontecia desde 2009, e o rand começou a ser pressionado. A rúpia Indonésia está em seu menor valor ante o dólar em 20 anos, enquanto o real já se desvalorizou 25% de janeiro até agora. Há vários fatores de inquietação no ambiente global, mas uma crise de grande porte nos países emergentes não está no horizonte a curto prazo.

A Turquia frequenta há um bom tempo todas as listas dos países mais vulneráveis e os desequilíbrios econômicos da Argentina já eram visíveis, como o seu rápido endividamento em moeda externa e a ampla desconfiança doméstica em relação ao peso, toda vez que a inflação começa a fugir ao controle, como agora. Os problemas fiscais do Brasil são também velhos conhecidos dos investidores e a aproximação de uma eleição muito disputada, de baixa previsibilidade, está derrubando o real e colocando a economia em compasso de espera, em uma recuperação que exibe exasperante lentidão.

Os alertas sobre possíveis naufrágios na normalização da política monetária americana indicam riscos decorrentes do excessivo endividamento em dólar e seus potenciais estragos, mais disseminados por passarem desta vez ao largo dos bancos e feito com emissão de títulos nos mercados de dívida. O maior beneficiário dessas captações foram os países asiáticos, que levaram metade dos US$ 3,7 trilhões de papéis emitidos.

Aos países apontados como frágeis está faltando um da Ásia. A China está fora dessa zona de risco, embora esteja em várias outras: guerra comercial com os EUA, bolha de crédito, dívidas crescentes que não podem ser atacadas frontalmente sem jogar a economia abaixo da meta de crescimento desejada, desvalorização controlada do renminbi para evitar enormes saídas de capital etc.

A política do Fed tem sido previsível e a abordagem de seu novo presidente, Jerome Powell, moderada. São os sinais de aquecimento da economia americana que têm feito os investidores em títulos emergentes reagirem com nervosismo ao menor sinal de problemas que uma alta mais forte dos juros possa provocar. Se a isto se acrescentar fraquezas domésticas evidentes, como no caso da Turquia e Argentina, a fuga ao risco é mais acentuada e desestabilizadora.

Desde o pico de janeiro, o índice de ações dos países emergentes declinou mais de 20%, assim como os fundos que aplicam em suas moedas recuaram 10%. A atitude defensiva dos aplicadores nessa classe de ativos de risco provoca a elevação dos juros em vários lugares do mundo emergente - Argentina em primeiro lugar - em um aperto de liquidez com claro viés recessivo. De novo, isto também era esperado. Com juro maior nos EUA e o fim dos gigantescos estímulos monetários, os juros globais teriam de subir de qualquer forma em relação aos níveis muito baixos anteriores. A direção desse movimento era clara e a inquietação que o acompanha diz respeito à magnitude e a velocidade desse processo - até agora, apesar de tudo, sem surpresas.

A guerra comercial iniciada por Donald Trump trouxe uma inquietação a mais nesse cenário. O comércio internacional já está recuando, embora esse fator negativo não seja decisivo. O que conta é o efeito inflacionário que o aumento de tarifas, que será pago pelo consumidor americano, terá em última instância, em uma economia em que o pacote fiscal expansionista deu estímulo extra a demanda já forte e com o desemprego perto de seu menor nível histórico.

A China exportou deflação desde a crise de 2008 e o protecionismo anacrônico de Trump pode fazer a inflação subir, algo que os estímulos monetários tentam em vão conseguir há quase uma década. Entretanto, há em ação outros fatores que jogam pela contenção dos preços. O dólar forte barateia as importações. O menor crescimento dos países emergentes e a expansão moderada da China (em relação ao passado recente) retirou fôlego altista relevante das commodities, o que contribui para desanuviar pressões inflacionárias globais. Até agora a inflação americana é baixa e a expectativa em 10 anos esteve em queda, e não em alta, nos últimos meses.

O dominó da venda de ativos e reavaliação de preços vai deixar feridos pelo caminho, e desarrumar algumas economias, mas não parece ainda capaz de contágio destrutivo.

Mas há sempre o imponderável e um fator certo de desestabilização: Donald Trump.

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