domingo, 30 de setembro de 2018

*José Roberto Mendonça de Barros: Perigo nos extremos

- O Estado de S.Paulo

Se, ao fim de 2019, não houver uma expectativa de retomada sustentável, haverá turbulência

As pesquisas eleitorais mostram uma polarização nos extremos. Se isso realmente se materializar, será muito ruim para o País, qualquer que seja o resultado das urnas. Em primeiro lugar porque ambas as candidaturas já acenaram que só aceitarão uma vitória. Derrota será fraude ou golpe, e boa parte de seus eleitores mais religiosos aceitará isso, reforçando as dúvidas quanto ao apreço de seus líderes pela democracia.

Muita confusão à vista.

Em segundo lugar porque são populistas que buscam falar diretamente às massas, prometendo a solução de seus problemas sem explicar como vão fazê-lo. “Confie em mim, eu resolvo, e todos serão felizes” é o lema.

Em terceiro lugar porque seus programas econômicos levantam sérias dúvidas e têm, a meu juízo, pouca chance de trazer de volta o crescimento. Se, ao fim de 2019, não houver uma expectativa fundada de retomada, depois da maior recessão de muitas décadas, veremos turbulências no País.

O caso mais óbvio é o da esquerda. O PT parte do princípio de que jamais cometeu um único erro de política econômica, que não tem culpa alguma pela queda na atividade e pelo crescimento do desemprego e que não existe uma crise fiscal. Mais uma vez, aplica-se aqui a famosa frase de Talleyrand: “Eles não aprenderam nada e não esqueceram nada”.

Não surpreende, portanto, que seu programa seja uma repetição de tudo que deu errado, girando em torno de uma proposta para o uso da política fiscal e creditícia para relançar a economia e fazer o “ajuste” via crescimento. A única novidade é uma pitoresca proposta de usar incentivos fiscais (!!!) para reduzir o “spread” bancário.

Embora seja certo que, eventualmente eleito, Haddad vai tentar uma ampliação ao centro, parece-me altamente certo que veremos uma política inconsistente, a elevação da inflação e o fracasso de trazer de volta o crescimento. No caso da direita, as dúvidas não são menores, a começar pela contradição entre a longa história de corporativismo e autoritarismo do candidato a presidente e o liberalismo radical de seu futuro ministro forte da Economia.

Tivemos um ensaio dessa questão há alguns dias, quando foi anunciado (com base em entrevistas de Paulo Guedes) o estudo da recriação de um imposto sobre movimentações financeiras destinado à Previdência.

Com a reação fortemente negativa que se seguiu, Bolsonaro anunciou que esse tipo de imposto não seria recriado, dizendo até que o objetivo do novo governo seria reduzir a arrecadação da União (!). O resultado foi o cancelamento de toda a agenda do economista, incluindo declarações à imprensa, o que levou à incerteza acerca da natureza do programa do candidato.

E essa incerteza tem razão de ser. A primeira notícia do programa dizia que seria possível arrecadar R$ 1 trilhão ou R$ 2 trilhões com a venda de ativos públicos, empresas e imóveis. Esses recursos seriam, então, destinados a reduzir a dívida pública e a bancar a transição do sistema atual de Previdência (em bases correntes) para um de capitalização (contas individuais).

Ora, só quem não tem experiência alguma de governo, como é o caso, pode imaginar que seja possível levantar essas quantias astronômicas com a venda de patrimônio público, mesmo supondo que existam ativos disponíveis para a venda nesses montantes.

A experiência mostra que as restrições legais e administrativas, a oposição de políticos, funcionários, fornecedores e outros tipos de interesse tornam as operações lentas, e poucos casos chegam ao final do processo com êxito.

Um governo totalmente empenhado no processo poderia, ao cabo de quatro anos, arrecadar, talvez, R$ 100 bilhões ou R$ 200 bilhões. Embora a privatização de empresas públicas, em geral, seja positiva, os valores possíveis de serem obtidos jamais pagariam a transição dos regimes de Previdência.

É bastante provável que a sugestão do imposto sobre transações financeiras tenha surgido como forma de resolver o impasse acima descrito. Entretanto, o candidato vetou essa rota. Como consequência, não existe programa econômico conhecido e o improviso prevalece.

O mercado financeiro supriu a ausência de informações com um ato de fé. Como disse um destacado operador financeiro, “eles sabem exatamente o que fazer”.

Não parece ser o caso.
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*Economista

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