quinta-feira, 27 de setembro de 2018

Maria Cristina Fernandes: O que ainda pode virar na eleição da omelete

- Valor Econômico

O voto entre o movimento de sábado e os porões

A dez dias do primeiro turno, as eleições presidenciais estão entre duas balizas, um movimento de massas e outro dos porões. O provável mata-mata entre Jair Bolsonaro e Fernando Haddad ainda depende do resultado dessas duas mobilizações.

A primeira pretende arregimentar neste sábado o maior e mais indefinido contingente eleitoral contra o líder das pesquisas. A segunda, ainda sem data, ameaça trazer revelações sobre a facada que hospitalizou o candidato do PSL.

As três vices do mercado, Manuela d'Ávila, Kátia Abreu e Ana Amélia são assediadas pelo movimento mas é a adesão das duas últimas que daria ao #EleNão um potencial mais desestabilizador do cenário definitivo das pesquisas.


Esta é a vidraça mais fina de Jair Bolsonaro. Tanto pelo conjunto de sua obra (Maria do Rosário não merece ser estuprada, filha é fruto de uma fraquejada, salário desigual é problema do mercado e ameaça à ex-mulher) e da contribuição aportada pelo vice Hamilton Mourão (lares conduzidos por mães e avós produzem desajustes), quanto pela conjuntura econômica em que se desenrola na sucessão.

É a primeira eleição presidencial da era do ovo neste século. Depois do iogurte e do frango terem virado símbolos do aumento do consumo de eras tucana e petista, o ovo tornou-se o signo da recessão de Michel Temer. Nunca se comeu tanto ovo, a proteína animal mais barata do mercado. O consumo, que vinha mais ou menos estável até 2014, disparou, a ponto de hoje o mercado ser disputado por aplicativos de entregadores do produto.

A resignação com a dieta foi captada pelo publicitário André Torreta em um dos grupos qualitativos de pesquisa que conduz diariamente. Uma participante lhe disse que seria muito bom se a galinha também botasse bife. No país da omelete, as mulheres têm mais facilidade de arrumar uma renda alternativa para a casa do que os homens, em grande parte em função do trabalho doméstico.

Mais da metade dessas eleitoras que seguram a barra do orçamento doméstico ainda estão indecisas. Em grande parte porque, contrariando o senso comum, se deixam levar menos pelas paixões partidárias do momento e mais pelo resultado concreto das eleições sobre o consumo de suas famílias que deve vencer a barreira dos 200 ovos per capita este ano. A maior parte dos participantes dos grupos conduzidos por Torreta começam a discussão com um candidato e, duas horas depois, estão com outro.

A campanha de Fernando Haddad acompanha com discrição a mobilização do contingente eleitoral feminino na reta final das eleições. Petistas discutem abertamente em seus grupos de redes sociais a inconveniência de dar gás a todos os movimentos em defesa da democracia que ameaçariam a presença, no segundo turno, do candidato mais facilmente derrotável pelo PT. O partido namora abertamente com o risco de um segundo turno em que tudo pode acontecer, inclusive o partido não dar conta de Bolsonaro.

O segundo movimento que pode vir a sacudir a cena eleitoral nesta reta final está nas mãos da dupla que mais influenciou esta eleição, a justiça e a Polícia Federal. O esfaqueador de Bolsonaro não precisou de 72 horas para conseguir a autorização que lhe permitirá dar não apenas de uma, mas duas entrevistas, enquanto o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva completará seis meses de prisão no dia 7 de outubro sem que a mesma regalia lhe tenha sido franqueada.

Se elucubrar em torno da autoria do atentado é abrir espaço a teorias da conspiração como o fazem os generais da campanha do PSL, desconsiderar as possibilidades decorrentes de uma entrevista bombástica às vésperas do primeiro turno é dar as costas à história. As camisetas e bandeiras do PT traficadas para dentro da casa em que Abílio Diniz foi sequestrado deixaram a disputa política e viraram história. A influência dos manuais dos sequestradores para a formação daqueles que um dia se tornariam os líderes do PCC também.

Como o antipetismo pode não se mostrar suficiente para catapultar a vitória de Bolsonaro, só o crime organizado daria conta da tarefa. São revelações nessa direção, num inquérito de idas e vindas, com tantos delegados quanto advogados, que temem os adversários de Bolsonaro.

Saudades do vôlei de praia
Como o presidente licenciado do Clube Militar virou vice de um candidato hospitalizado que lidera as pesquisas, a leitura de seus manifestos tornou-se um imperativo mais pátrio que a volta do hino nacional nas escolas.

O último deles foi assinado pelo presidente interino, o general de divisão Eduardo José Barbosa. Não se resume a platitudes como o "estabelecimento do livre mercado". A deterioração da situação social restringe-se a "nichos de pobreza preocupantes". A extensão dos direitos sociais foi, para o clube de Mourão, um "fator desestabilizador". O resgate social não passa por políticas públicas como as cotas para o acesso ao ensino superior. Estas devem ser reduzidas, paulatinamente, até a extinção.

O país convive com atores "à margem da lei", mas a punição deve ser seletiva. Motoristas que infringirem o limite de velocidade, por exemplo, só devem ser multados na proximidade de escolas e hospitais.

A 'soberania', dogma secular, está ausente. É "nos países mais desenvolvidos" que os parâmetros nacionais devem ser buscados. O documento defende a democracia, mas atinge um dos pilares do Estado de direito ao propor a eliminação dos recursos dos processos judiciais.

Defende tanto a privatização quanto a extinção das agências reguladoras. No país do livre mercado, a regulação ficaria a cargo do "poder estratégico significativo". O Brasil era mais feliz no tempo que esse pessoal jogava vôlei na praia de Copacabana.

E se tivesse ido para o SUS?
Para onde iria esta eleição se os boletins de Ciro Gomes, em vez das grifes Sírio Libanês e Albert Einstein, que cuidaram das duas maiores lideranças de massa surgidas no país, Lula e Bolsonaro, tivessem o carimbo de um hospital do SUS?

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