quinta-feira, 6 de setembro de 2018

Merval Pereira: Última cartada

- O Globo

A disputa interna no PT está mais acirrada do que se pensa. Por incrível que pareça, há quem defenda o boicote às eleições

A realidade deve se impor nos próximos dias, e a máquina propagandística do PT terá que carregar Haddad ao segundo turno. Por enquanto, essa confusão toda não o tem beneficiado. Ele cresceu dentro da margem de erro na pesquisa do Ibope divulgada ontem, e Ciro é quem mais ganhou o espólio do lulismo órfão de seu líder. Com isso, empatou com Marina, enquanto Alckmin moveu-se pouco, dentro da margem de erro. Marina manteve sua posição, mas foi a única que não cresceu, o que acende uma luz amarela.

O dado importante é que a rejeição a Bolsonaro aumentou muito, desafiando as avaliações técnicas de que um candidato com 40% ou mais de rejeição não se elege. Bolsonaro está bem acima dessa marca, e a rejeição, crescendo. Pode significar que suas chances de vencer no segundo turno estão diminuindo.

A estranha sensação de tentativa de golpe judicial ficou no ar com a sucessão de recursos que a defesa do ex-presidente Lula fez nas últimas 24 horas contra a sua inelegibilidade decretada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), baseados na tese de que a recomendação do Comitê de Direitos Humanos da ONU tem que ser obedecida, dando a ele o direito de concorrer à Presidência da República mesmo preso em Curitiba.

Os advogados de defesa foram ardilosos ao encaminhar o recurso de tal maneira que ele caiu automaticamente com o ministro responsável (prevento) pela Lava-Jato, Edson Fachin. Isso porque ele foi o único voto favorável à tese da defesa, surpreendendo seus colegas de tribunal no TSE.

Como é impensável que o voto e o recurso estivessem previamente combinados entre as partes, a artimanha não terá efeito. O ministro Edson Fachin provavelmente vai continuar defendendo sua posição no relatório que encaminhará o caso à análise do plenário, mas nenhum de seus pares considera possível que venha a tomar uma decisão monocrática, concedendo a liminar a Lula. Embora as pressões estejam grandes.

Se isso acontecesse, o ex-presidente estaria em condições de se candidatar mesmo de dentro da cadeia. Mas há duas pedras no tortuoso caminho escolhido pela defesa do ex-presidente. A tese do ministro Fachin foi derrotada por 6 a 1 na reunião da madrugada de sexta para sábado passados, o que fragiliza uma eventual decisão solitária do perdedor para liberar a campanha de Lula. Além disso, seus dois colegas de STF, ministra Rosa Weber e ministro Luís Roberto Barroso, discordaram de sua posição, o que faz com que o julgamento do plenário comece com 2 a 1 contra Lula.

Há também a decisão do plenário do TSE, na mesma sessão, de que candidato impugnado não está sub judice e, portanto, recursos apresentados depois da negativa do registro da candidatura não significam a liberação do condenado para concorrer enquanto aguarda as decisões do TSE ou do STF, como acontecia anteriormente, dando margem a muita incerteza jurídica.

Na mesma decisão, o TSE determinou que o nome e a foto de Lula não podem aparecer nas urnas eletrônicas na eleição de outubro, e o prazo para apresentar o candidato substituto foi reduzido. Pela legislação eleitoral, os partidos têm até o dia 17 deste mês para mudar a chapa. O PT recebeu dez dias de prazo para indicar seu candidato a presidente.

A disputa interna no PT para definir a estratégia nesses próximos dias, até o dia 11, está mais acirrada do que se pensa. Por incrível que pareça, há quem defenda o boicote às eleições presidenciais. Isso porque o prazo do PT, que podia ir até além do dia 17 com esses recursos infindáveis, até conseguir colocar seu nome na urna eletrônica a partir do dia 20, encurtou-se tremendamente.

O STF já rejeitou habeas corpus e liminares, e é de quase zero a chance de a maioria do plenário mudar de posição. A única chance de Lula deixar de ser ficha-suja, além de uma improvável liminar com base no Comitê dos Direitos Humanos da ONU —que o novo presidente do Superior Tribunal (STJ), João Otávio de Noronha, classificou de “absurdo” e “opinião de pareceristas” —, é que o julgamento do TRF-4 seja anulado, o que também é improvável.

Esses recursos são a última cartada de Lula. Ou melhor dizendo, devem ser a última cartada. Do jeito que as coisas vão, é sempre arriscado acreditar na letra fria da legislação.

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