sábado, 27 de outubro de 2018

Adriana Fernandes: O perigo da transição

- O Estado de S.Paulo

Nas trocas de governos, a burocracia econômica não sofre mudanças significativas

O discurso do candidato Jair Bolsonaro (PSL) enviado a manifestantes na Avenida Paulista, no último domingo, com a promessa de “uma faxina muito mais ampla” caso assuma o governo foi interpretado pela elite do funcionalismo público como um risco de “caça às bruxas” que pode atingir servidores que já tiveram cargo com comissão nos governos do PT.

A promessa do candidato líder nas pesquisas azedou o clima entre os técnicos da área econômica e pode comprometer de antemão o diálogo na transição de governo que começa nesta segunda-feira. Também coloca em risco a gestão da economia nos primeiros meses de governo, justamente aqueles decisivos para o encaminhamento das reformas.

Seria um “tiro no pé” na transição que prometia – pelo menos até agora - ser mais tranquila do que a explosiva e desgastante campanha manchada pelas fake news e polarização ideológica.

Bolsonaro e sua equipe econômica, liderada pelo economista Paulo Guedes, vão precisar desse mesma elite da burocracia para o assessoramento técnico para o mais alto nível decisório. Inclusive para “escrever” os textos das propostas de mudança na legislação que serão enviadas ao Congresso, tarefa que precisa de robusto conhecimento técnico e experiência na gestão administrativa.

É bom lembrar que, entra governo e sai presidente, essa burocracia econômica – concentrada nas áreas de Orçamento, Tesouro, Receita e jurídica – não sofre mudanças significativas. Ocupou cargos com comissão nos governos não só do PT, mas de Temer e, alguns, até mesmo de FHC (PSDB).

É, portanto, com essa mesma turma que os vencedores nas eleições terão que lidar. Eles têm poder de protelar pareceres técnicos e jurídicos que embasam as decisões a serem tomadas.

Durante a transição do governo Dilma 1 para Dilma 2, marcada pela chegada do economista liberal Joaquim Levy que iniciou o processo de correção das chamadas “pedaladas fiscais”, uma situação difícil teve de ser enfrentada, pois o então secretário do Tesouro Nacional, Arno Ausgutin, escondeu a real situação das contas públicas da equipe que estava chegando.

Esse clima bélico na época dificultou a decisão de Levy na definição da meta fiscal para o primeiro ano do segundo mandato de Dilma. Ele acabou definindo uma meta não factível que acabou abatendo a sua política de consolidação fiscal e o obrigou o governo a enviar, pela primeira vez, uma proposta de Orçamento prevendo déficit. Um desastre que custou caro e que teve origem na transição.

Sinais de “namoro” de Paulo Guedes com a equipe econômica do presidente Michel Temer foram emitidos com informações de que alguns secretários da atual equipe econômica poderiam permanecer no cargo, entre eles Mansueto Almeida (Tesouro), Ana Paula Vescovi (Executivo) e Marcos Mendes (Assessor Especial da Fazenda), além de Ilan Goldfajn no comando do BC. Mas pode não ser bem assim e que fique mais difícil para ele compor a sua equipe técnica.

Uma das preocupações da equipe atual é com o discurso dominante no grupo de Bolsonaro de que é preciso fazer uma descentralização urgente dos recursos da União para Estados e municípios. A revisão do pacto federativo é vista como explosiva pela área econômica, principalmente no quadro de crise fiscal. Um debate que pode tirar tempo das reformas mais urgentes.

Em entrevista nesta sexta-feira, Mansueto Almeida deu o seu recado sobre sua permanência no cargo: “O que mais importa são os servidores do Tesouro Nacional e da Receita Federal, porque eles sim continuarão aqui”. Ele também avisou que será muito difícil zerar o déficit primário do governo central já em 2019, como promete a campanha de Bolsonaro.

Do lado do candidato Fernando Haddad (PT), as críticas à atual econômica de nada contribuem para a transição, caso consiga uma virada histórica e ganhe as eleições neste domingo. A insistência do candidato petista em descartar a equipe atual pouco ou nada deve ter contribuído para angariar votos.

Como resposta às criticas durante a campanha, a equipe atual finaliza relatório para ser apresentada na segunda-feira no qual busca provar que o teto de gasto é factível de ser cumprido nos próximos 10 anos. A ver.

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